Coronavírus: lições sobre ciência e humanidade

Publicado em 19/05/2020 às 20:30.Atualizado em 27/10/2021 às 03:33.

Débora Brito Goulart*

O coronavírus (Covid-19) é uma experiência extremamente dolorosa, mas também nos fornece excelentes lições sobre ciência e humanidade. Dentre os principais ensinamentos, três compõem o alicerce da atual pandemia. 

A primeira lição é o fato de que a nossa saúde está atrelada à saúde do meio ambiente. O contágio pelo novo coronavírus pode ter iniciado pelo consumo de um mamífero selvagem chamado pangolim. O animal ameaçado de extinção é vendido ilegalmente em alguns mercados asiáticos como um alimento insustentável. Outras hipóteses apontam para morcegos ou outros animais como vetores do coronavírus. O comércio desses animais, além de contribuir para a destruição do meio ambiente, nos expõe a perigosos patógenos. Enquanto o comércio ilegal persistir, enfrentaremos novas crises sanitárias. É altamente provável que daqui a alguns anos tenhamos novas pandemias causadas por vírus e bactérias multirresistentes oriundos de animais domésticos e silvestres.

A segunda grande lição é o fato de que “o coronavírus acontece quando a ciência é ignorada”. A frase anterior, proposta por um colunista do The New York Times, é vital para entendermos a magnitude da atual tragédia. Há mais de dez anos, um trabalho de pesquisa realizado pela Universidade de Hong Kong, alertou para a possibilidade do surgimento de um novo coronavírus. Supreendentemente, Dr. Vicent Cheng e sua equipe conseguiram prever o futuro. O desequilíbrio ambiental somado à falta de credibilidade na pesquisa proporcionaram o cenário perfeito para o surgimento da pandemia. Apesar dos grandes avanços científicos do século passado, alguns governantes propositadamente teimam em não acreditar que as mudanças climáticas sejam um problema. Infelizmente, eles convencem muitas pessoas de que o desenvolvimento sustentável é uma afronta às políticas econômicas.

A terceira grande lição é aprendermos que a prevenção às doenças é tão importante quanto ao tratamento. O fato é que as verbas destinadas à ciência não são distribuídas igualmente entre as diversas áreas de estudos. Há uma tendência de financiar pesquisas que produzam resultados a curto prazo, priorizando o tratamento de doenças, em detrimento da prevenção que acompanha a pesquisa fundamental e o desempenho a longo prazo. Emissões de gás carbônico e mudanças climáticas são temas de pesquisas que muitas vezes são deixados para o segundo plano. Estamos descartando, de forma muito consciente e irresponsável, os inúmeros benefícios que um ambiente natural bem preservado poderia nos oferecer. 

O coronavírus ilustra como a humanidade vem brincando tanto com a saúde dos ecossistemas quanto com a pesquisa científica. O uso insustentável da natureza continua. É urgente adotar uma visão integrada e uma gestão global da saúde do meio ambiente e da sociedade. Também precisamos aproximar a ciência dos cidadãos para formarmos espíritos críticos e livres. Nesse sentido, a divulgação científica é uma grande aliada. A insegurança no trabalho dos pesquisadores brasileiros já é crônica e, quando o inimigo comum chegar (hoje o coronavírus, amanhã poderá ser outro pior), não estaremos preparados para enfrentá-lo. Estamos sofrendo as consequências da ignorância generalizada. Hoje em dia, o errado se tornou certo.

*Bacharel em medicina veterinária (UFMG), especialista em ciência animal (Universidade de Minnesota), mestre em ciência dos alimentos (Universidade de Wisconsin) e doutoranda em microbiologia e imunologia (Universidade Estadual de Iowa)

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