'Equal pay for equal work': o perigo dos slogans enganadores

Publicado em 01/03/2025 às 06:00.

Maria Inês Vasconcelos*


O trabalho da mulher sempre foi uma realidade na minha vida. Há mais de 20 anos estou face a face com conflitos existentes no trabalho da mulher. Um Relatório Global de Desigualdade de Gênero, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial no final de 2015, pontuou a disparidade salarial entre homens e mulheres no Brasil.

Segundo o Relatório, para cumprir o mesmo trabalho, com as mesmas funções e qualificações, as mulheres ganham 41% a menos que os homens. Essa não é uma estatística ornamental, é uma questão de peso. A questão do hiato financeiro entre homens e mulheres é, na verdade, agenda mundial.

O slogan “equal pay for equal work” - pagamento na mesma moeda, circula no mundo todo, e sem dúvida é um slogan de reivindicação, entretanto, é perigoso se não tivermos senso crítico. Como o ditado “lugar de mulher é onde ela quiser”, o “equal pay for equal work”, pode confundir e alienar a mulher; impedindo que ela tenha compreensão mais aprofundada do fenômeno.

Aliás, o perigo dos slogans é justamente porque são criados para funcionar como registros mentais. São sempre persuasivos e carregados de emoção pois são criados intencionalmente para impactar. Está aí o perigo: a intencionalidade que silenciam muitos matizes.

Todo e qualquer slogan precisa de transformação. Como aconteceu na educação no Brasil, onde o slogan era “Educação para todos”, e depois “Educação com qualidade”. A questão da igualdade salarial leva a análise estrutural que é de simplicidade cristalina, mas precisa ser revisitada, através de oportunidades para um novo discurso; sem essa intencionalidade ofuscar o que poderia ser visto. A história da mulher brasileira mudou. E esse slogan fomenta desinformação. 

O risco apontado é o de permitir que se pense por um slogan e não pelo slogan. A riqueza do feminismo está em não caminhar isoladamente. É no coletivo que criaremos uma pedagogia de reconstrução do trabalho da mulher no Brasil denunciando a violência doméstica, a política, os preconceitos e outras injustiças.

A mulher brasileira conseguiu que representantes com voz política, magistrados, promotores, e todos aqueles que tenham a intenção de não esconder o que não pode ser escondido, promover verdadeiramente a política feminista e garantir o cumprimento dos direitos da mulher, que vão muito além da mera questão financeira. Estamos anos luz na frente da questão da disparidade social. Lutamos ainda com o trabalho escravo, com o trabalho infantil.

O Brasil vem cuidando do trabalho da mulher e temos uma das Constituições que mais garantem direitos à mulher, a nível mundial. A Constituição cercou não só o trabalho como a maternidade e a infância, mas também a velhice e a qualidade do meio ambiente laborativo.

Temos feito leis e mais leis que protegem a mulher na esfera do trabalho, como a recente Lei 14.611/2023, que garante a igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função. Vejo a luta pela igualdade muito de frente.

A convivência com centenas de mulheres preteridas para promoções, humilhadas pelas práticas de assédio moral e sexual, diminuídas em razão do dom da maternidade, menosprezadas por sua condição biológica, o impedimento no crescimento na carreira, salários menores, muros para os mesmos acessos, barreiras para a paridade, o trabalho informal e toda precariedade que dele decorre é outro câncer. Tudo isso, revisito diariamente.

Vejo a justiça brasileira funcionar, através de seus órgãos. Ministério Público do Trabalho Estadual, e todas as entidades estão realmente comprometidas com ações consistentes. A senha da transformação é a ação. Como diz a jornalista estadunidense Gloria Steinem: “Não existem muitos trabalhos que realmente exijam um pênis ou uma vagina, logo, todas as outras ocupações devem estar disponíveis a todos”.

*Advogada, escritora e palestrante

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