Júri internacional revela a precariedade dos trabalhadores da saúde no Brasil

Publicado em 29/07/2022 às 06:00.

Denise Motta Dau*

O descalabro do governo Bolsonaro e seus crimes sucessivos contra a Humanidade não deixaram de ser denunciados pelas organizações da sociedade civil, tanto brasileiras quanto internacionais. A escalada, no entanto, segue impune. E, por causa dessa impunidade, os crimes avançam aceleradamente. Tanto que as milhares de mortes evitáveis de brasileiros vão se mostrando banalizadas. No entanto, a civilidade não perde seus fios: o da história e o da ética. São esses fios que o Tribunal Penal dos Povos (TPP) tem puxado, com o julgamento realizado em maio, cujo desfecho será divulgado em breve. O TPP expressa a sociedade internacional humanista e civilizada. E muitos de seus julgamentos embasaram ações institucionais.

Sob uma pandemia que transtornou todo o mundo, no Brasil milhares de vidas seguiram ceifadas deliberadamente no momento em que os recursos científicos já estavam acessíveis. A espiral da política excludente, autoritária e cruel de Bolsonaro teve alvos prediletos: indígenas, negros e o pelotão de frente de defesa da doença, os profissionais da saúde pública e privada, que tantas mortes evitaram, mesmo perdendo as próprias ou adoecendo. E a matança deliberada segue, sem que as instituições democráticas, mantidas pela população para vigiar e punir excessos, cumpram seu papel.

Nós somos a Internacional dos Serviços Públicos (PSI, Public Service International, da sigla em inglês), uma sindical global que reúne 30 milhões de trabalhadores em 154 países, inclusive o Brasil. Parte de nossos filiados atua diretamente na Saúde, seja pública e privada. Pois, no Brasil, nossos trabalhadores da Saúde que atuaram e seguem na linha de frente do combate à pandemia continuam alvos dessa aterradora política.

A ISP foi uma das autoras da denúncia contra o Governo Bolsonaro que ocorreu na 50ª Sessão do TPP, denominada “Pandemia e Autoritarismo”, ao lado da Comissão Arns, Coalizão Negra Por Direitos e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Denunciamos e comprovamos: o governo Bolsonaro disseminou intencionalmente o coronavírus, com ações e omissões, causando milhares de mortes evitáveis.

Na peça denunciatória e durante o julgamento, apresentamos dados e pesquisas: a da ISP “Trabalhadoras e Trabalhadores Protegidos Salvam Vidas”, realizada em 2020, indicando que 54% dos trabalhadores em saúde do setor privado e público estavam em sofrimento psíquico, e a outra da Fundação Osvaldo Cruz, realizada em 2021, indicando que esse índice chegou posteriormente a 60%. Foram, portanto, provas irrefutáveis de que não foi implementada uma política de proteção para a principal categoria do fronte de enfrentamento à pandemia: profissionais de saúde.

Hoje, diante de uma população a cada dia mais exaurida, adoentada e com sequelas -  sob o olhar menos atento da imprensa e da opinião pública para os crimes seriados e impunes - observamos, atentos: os escândalos, como o do processo de desmonte do SUS, do desperdício de vacinas, da falta de medicamentos, da forte desvalorização dos profissionais da Saúde, acabam banalizados no cotidiano brasileiro. Os profissionais da Saúde precisam ser recompensados. Sequer as famílias de órfãos desses trabalhadores foram acolhidas e o Piso Salarial do setor, finalmente aprovado no Congresso Nacional, segue aguardando sanção presidencial. A mortalidade desproporcional da população negra e indígena continua em alta constante.

Não é possível esquecer. Neste mês de julho, o Brasil ultrapassa 675 mil mortos. É notório o esgotamento das redes de saúde e a escandalosa inexistência de políticas de atenção proporcionais para as principais vítimas: indígenas, negros, profissionais da Saúde.

O resultado do julgamento do Governo Bolsonaro será anunciado em breve. Sua relevância é gigantesca. Matanças não podem ser banalizadas. Nem omissões. Assim, esse julgamento “lava a alma” e alerta para a absurda omissão de mecanismos remunerados por nós e que deveriam cumprir o papel de salvar e dignificar vidas.

Por isso a importância do resultado do julgamento e da sua memória. Nunca nos esqueceremos -mesmo com as atuais “bondades” eleitorais do momento - da matança e do abandono dos profissionais da Saúde brasileira em seus momentos mais terríveis, nem das populações mais vulneráveis. Que a decisão, tão esperada, nos ajude a honrar a defesa do direito à vida acima do lucro e contra o autoritarismo. Precisamos desse marco histórico e ético para que a escalada seja contida.

*Secretária Sub- regional da Internacional de Serviços Públicos (ISP) no Brasil, graduada em Serviço Social, é mestra em Saúde Coletiva

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