O direito dos refugiados: as três vertentes da proteção internacional da pessoa humana

Publicado em 24/06/2023 às 06:00.

Eneida Orbage de Brito Taquary*

A proteção internacional da pessoa humana, segundo o jurista Cançado Trindade, é efetivada segundo três vertentes: o direito internacional dos direitos humanos, o direito humanitário (a proteção da pessoa em cenário de conflitos armados internos e internacionais) e a proteção dos refugiados.

A proteção dos direitos humanos da pessoa se dá em todo o globo terrestre ainda que contrariando os interesses ideológicos de alguns países que insistem em reverter o marco civilizatório da humanidade, determinado pelas ideias revolucionárias de liberdade, igualdade e fraternidade, há séculos, mas ainda válidos. Esta inspiração idealizada pela Revolução Francesa se faz presente no Território Nacional, que tem abrigado refugiados de todas as partes do mundo, em especial e mais recentemente oriundos da Venezuela, em fuga das graves violações de direitos humanos.

A condição de refugiados encontra fundamento na legislação nacional que foi estruturada com base na Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951, e que entrou em vigor em 22 de abril de 1954, aprovada pelo Congresso Nacional por intermédio do Decreto-Legislativo nº 11, de 7 de julho de 1960, e promulgada pelo Decreto nº 50215, de 28 de janeiro de 1961.

A proteção dos direitos humanos da pessoa se dá em todo o globo terrestre ainda que contrariando os interesses ideológicos de alguns países que insistem em reverter o marco civilizatório da humanidade, determinado pelas ideias revolucionárias de liberdade, igualdade e fraternidade


A legislação brasileira considera refugiados, segundo o disposto na Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, art.1º, todo o indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Não se pode deixar de considerar os refugiados climáticos ou ambientais. As pessoas que são forçadas a deixar seu habitat tradicional, temporária ou permanentemente, por causa de desastres naturais.

O Brasil consolidou seu sistema de proteção dos refugiados com a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, superando o anacrônico Estatuto do Estrangeiro e estabelecendo políticas públicas para o migrante, no seu art. 4ª, “ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, e no § 1º “os direitos e as garantias previstos nesta Lei serão exercidos em observância ao disposto na Constituição Federal, independentemente da situação migratória, observado o disposto no § 4º deste artigo, e não excluem outros decorrentes de tratado de que o Brasil seja parte”.

Pelo princípio do non-refoulement (não-devolução), refugiados não podem ser obrigados a retornar ao território onde sofrem graves violações de seus direitos humanos


Assegura, pois, a legislação nacional os direitos fundamentais formal e materialmente estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Também é parte importante deste sistema de proteção o Comitê Nacional para os Refugiados – Conare, criado no bojo da Lei nº 9.474, e que atua em conjunto com o organismo internacional ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, presente em 130 países e mais de 460 escritórios.
O escritório das Nações Unidas junto com o governo de Roraima, a Polícia Federal, a Polícia Civil, as Forças Armadas e Secretarias do Estado tem se desdobrado para atender a demanda de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária, que se concentram em Pacaraima e Boa Vista, capital do Estado, onde foram criados, respectivamente, dois e 11 abrigos oficiais.

Atualmente, segundo dados das agências humanitárias e dos governos locais, cerca de 32 mil venezuelanos moram em Boa Vista, sendo que destes, 1,5 mil venezuelanos estão em situação de rua na capital, entre eles, quase 500 têm menos de 18 anos de idade. Logo, a situação em Roraima é crítica, em face de orçamentos curtos e da migração massiva de refugiados, sendo o Estado Federado merecedor de atenção especial da União, com base no princípio da solidariedade e da necessidade de efetivação de tratados que exigem a abertura de fronteiras para receber os refugiados, em especial os venezuelanos.

Em que pese não ser da União a exclusiva competência constitucional administrativa de custear as despesas com imigrantes que entram no país, ainda que fruto de calamidade vivenciada no país de origem, a “União não pode deixar de cumprir o que lhe cabe, inclusive ressarcindo os entes federativos estaduais naquilo que dispenderem recursos no âmbito dos afazeres comuns ou da esfera da União”, de acordo com o julgamento em 2020 no STF de 13 de outubro de 2020, ACO: 3113 .

Ademais, os deveres impostos no sistema convencional incorporados legislativamente pelo Estado Brasileiro devem ser observados, destacando-se o princípio do non-refoulement (não-devolução), pelo qual refugiados não podem ser obrigados a retornar ao território onde sofrem graves violações de seus direitos humanos.

* Professora Doutora da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB) e sócia do Escritório de Advocacia Borges Taquary

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por