Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

A difícil missão de perdoar

Publicado em 18/07/2024 às 06:00.

No artigo da semana passada falei sobre a dor da traição e o que mais recebi foram perguntas sobre superação, perdão e voltar a confiar nas pessoas de uma maneira geral. 

A traição é um golpe muito duro e nem sempre conseguimos perdoar. A mágoa sentida pode evoluir para revolta e uma incapacidade de voltar a conviver com aquela pessoa. Em alguns casos, os mais graves, há quem não queira mais se relacionar com ninguém pois perde completamente a confiança no outro. Cria-se então um trauma, onde o indivíduo, incapaz de superar, permanece estagnado no medo de que aquilo ocorra novamente.

Perdoar não é tarefa fácil, é preciso empenho, vontade e uma dose de nobreza, afinal quando nos sentimos apunhalados existe um culpado para nossa dor e o pensamento que fica é que perdoar é como deixar de punir alguém por uma falta tão grave. É como abrir mão do pagamento de uma dívida e assumir o prejuízo e isso parece injusto.

Apesar do perdão ser bom para o perdoado, pois este recebe a “anistia”, o maior beneficiado é o perdoador, que limpa a cabeça e o coração daquela mágoa. Além de ficar livre do pensamento ruminante, ainda traz de volta o sentimento de serenidade e paz. 

Mas é importante ressaltar: perdoar não significa esquecer e sim transformar as lembranças em memória fria, desprovida de emoção. Quem consegue lembrar do fato e não sentir sentimentos de revolta conseguiu superar o ocorrido e isso não significa voltar a conviver com a pessoa. Essa é uma opção que vai depender da vontade dos envolvidos. 

As dores que marcam nossa vida não derivam apenas de traição marital. Muitas pessoas sentem dificuldade em perdoar os pais, por exemplo. Estes são casos difíceis, pois há uma gratidão por toda dedicação da criação e uma mágoa por algum comportamento, geralmente de ordem emocional, que gerou marcas na vida adulta.

Mesmo quando temos motivos suficientes para virar a página e seguir em frente, nem sempre conseguimos, isso porque perdoar é um processo emocional e não racional. Vai além da lógica. Mexe com questões profundas que nem mesmo sabemos que sentíamos. 

Conhecemos um pouco mais sobre nós quando passamos momentos de dor e nos dispusemos a fazer um mergulho honesto dentro de nós com uma boa autocrítica e de preferência acompanhado por um processo terapêutico, o que nem todos estão dispostos. Muitos, ao vivenciar um momento difícil, tratam logo de buscar alívio nas anestesias sociais. Fazem uma maquiagem da dor e tratam o processo na rasura, sem entender as próprias fragilidades. Um desperdício. 

Transformar a dor em crescimento não é fácil, e se além disso conseguirmos perdoar, ganhamos duplamente: amadurecemos e limpamos nosso emocional. Uma maravilha!

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