Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

A ruptura e o luto

Publicado em 03/06/2020 às 14:27.Atualizado em 27/10/2021 às 03:40.

De uma maneira geral, não nos sentimos preparados para lidar com nenhum tipo de perda. Sejam elas emocionais ou pela finitude da vida. Muitas pessoas não suportam nem falar no assunto. Só de pensar, já sentem um desconforto. Mas a dor vem realmente forte quando o processo se concretiza. Nessa hora, temos a sensação de perdermos o chão. Nos sentimos frágeis, sozinhos, e isso aflora o sentimento de desamparo. Um sofrimento sem igual.

A verdade é que ninguém quer perder nem afeto nem pessoas, e quando isso acontece entramos no processo de “luto”.

O luto é a condição emocional onde vivenciamos, com angústia, a dor da ausência. É totalmente individual, portanto é sentido com intensidade diferente entre as pessoas, mas o tempo é mais ou menos o mesmo para todos. Estima-se algo em torno de um ano. Este é o tempo suficiente para passarmos todas as datas comemorativas sem a presença daquela pessoa. Quando a perda não é por morte, mas sim uma ruptura de laço afetivo, o luto pode chegar a até dois anos dependendo da forma como ocorreu e da quantidade de perdas já vivenciadas pela pessoa.

Explico melhor: um indivíduo se torna mais ou menos sensível à dor da perda quantas vezes mais ele a vivenciar. Ou seja, quanto mais perdas, mais frágil. Isso porque nossa memória emocional armazena numa “gaveta mental” principalmente as experiências ruins, e, a cada novo golpe, essa gaveta é aberta e todas as mágoas anteriores são reeditadas. Nesse caso não vale citar Nietzsche, com “o que não me mata, me fortalece”, pois no caso da perda, enfraquece.

Uma questão curiosa é a comparação que algumas pessoas fazem dizendo-se muito mais sofridas com uma perda amorosa do que com a morte de um ente querido. Mas isso tem uma lógica.

Quando perdemos alguém por morte, apesar da dor, ficam as boas lembranças e a certeza de que esta pessoa já não está mais entre nós. O mesmo não ocorre na ruptura amorosa. Neste caso, além da dor da perda, sente-se uma terrível sensação de abandono. A pessoa continua viva, porém não está mais viva com você. Isso abre totalmente a ferida da rejeição. Sem contar a dor da substituição, que geralmente ocorre nesses casos.

Certa vez, alguém me perguntou: “Mas por que sofremos tanto com uma separação, mesmo quando a relação não era boa? Não seria mais lógico sentirmos alívio ao invés de dor”?

Bom, pela lógica, sim. Mas ocorre que o processo é emocional, e uma união afetiva de má qualidade drena o equilíbrio e cria uma atmosfera de dependência, fazendo com que o sofrimento e o luto sejam ainda maiores.

Há uma passagem de Santo Agostinho em que perguntam a ele como conseguia diferenciar os anjos que chegavam humildemente e os demônios que chegavam sob rico disfarce. Ele disse que percebia a diferença pelo modo como se sentia depois que eles iam embora. Quando um anjo nos deixa, nos sentimos fortalecidos pela sua presença; já quando um demônio nos deixa, sentimos o terror de sua passagem.

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