Sempre que a vêm à tona casos públicos de violência doméstica ficamos sem entender por que tanta agressividade direcionada a quem dizemos amar. Alem dos questionamentos, há uma notória comoção em relação ao quão cruel e covarde são esses atos.
Graças à informação, às leis, à luta das mulheres e até a tecnologia que ajuda a registrar ocorrências aparentemente improváveis, estamos conseguindo expor casos absurdos de violência doméstica.
Entretanto, nem sempre uma agressão ocorre com brigas corporais. Há aquela que acontece de forma invisível, sutil e silenciosa, de difícil percepção até para a própria vítima. Me refiro aos abusos psicológicos, que sangram tanto quanto os físicos e assassinam a autoestima. Esse tipo de abuso ocorre tanto de forma explícita, por meio de xingamentos, palavras ofensivas, inferiorização, ciúme exagerado e chantagem, quanto de forma velada, usando o silêncio, pouco caso, exploração, egoísmo, desprezo, frieza e descaso.
Numa relação íntima é possível matar uma pessoa emocionalmente sem ao menos encostar a mão nela.
Não é fácil aceitar que um ato de violência possa vir de quem mais amamos e confiamos e também que nos dizem amar como nossos pais, irmãos e cônjuges. Por isso é tão perverso. A crueldade que chega embalada de amor é a pior delas, tanto pela confusão de afetos quanto pelo sentimento de culpa da vítima em admitir o abuso. Há uma forte sensação de ingratidão que embaça a percepção daquele que sofre, fazendo com que ele coloque “panos quentes” para atenuar a gravidade dos fatos.
Devido à essa dificuldade, a vítima fica tentando entender os motivos que levaram o outro a agir assim. Leva em consideração a forma como ele foi criado, entende uma possível situação de estresse e faz até mea culpa admitindo ter motivado a nervosismo do outro. É quando a vítima se sente culpada - mais comum do que imaginamos.
Numa análise mais profunda, podemos dizer que a vítima tem “culpa” sim: a de ser tão compreensiva, permitindo que o abuso ocorra novamente.
Não quero ser mal-interpretada, por isso reafirmo: se formos generosos conosco tanto quanto somos com os outros, talvez tolerássemos menos um ato violento, seja ele de quem for. Não tolerar não significa retrucar, brigar ou romper os laços, e sim enxergar a realidade, por mais dura que ela se apresente, e ter coragem para praticar um afastamento emocional.
Desvincular-se de uma situação de abuso não é fácil, mas se faz necessário para a preservação da saúde mental. É preciso ter em mente que maus-tratos e amor não coexistem e preservar relações ruins é viver de aparências.