Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Auto-anulação

Simone Demolinari
Publicado em 18/08/2022 às 06:00.

Por vergonha, por medo, ou por fraqueza, algumas pessoas reprimem seus desejos para agradar os das outras pessoas. Acabam sendo infiéis às suas verdadeiras vontades e, numa embalagem de bondade, convencem a si mesmas de que não se importam muito com isso, ou então que são felizes fazendo os outros felizes. 

Em alguma medida, esse contentamento, que deriva do altruísmo, é de fato gratificante, contudo, nem sempre esse comportamento tem como fim a benevolência e sim um mecanismo sutil de menos valia. Podemos observar isso em algumas falas que trazem uma entrelinha reveladora.

“Cedo para evitar atrito”: sucumbir aos desejos de alguém, contrariando a própria vontade, pode custar mais caro do que o atrito. Há uma falsa ideia de que ao ceder, a paz reinará. Isso não é verdade. Primeiro, porque as demandas não acabam. Quem cede fica refém do desejo do outro, que, quando contrariado, cria um clima tão pesado que a única forma de desfazê-lo é ceder novamente. Um buraco sem fundo. E segundo porque quem cede, em algum momento, “cobra a fatura”.

“Para mim, tanto faz”: certo dia ouvi de uma pessoa: “fui ao evento com meu marido pois ele queria, e para mim “tanto fazia”. Fui ao shopping com a amiga pois ela queria e para mim não fazia diferença”. É interessante observar a auto-anulação de alguém que aprendeu a satisfazer o desejo do outro e nem consegue saber o que realmente deseja. 

“Não gosto de incomodar”: O medo de incomodar, na maioria das vezes, não é nada verdadeiro. Ele é uma desculpa para encobrir outros medos mais profundos (como o da rejeição, por exemplo). Uma pessoa que deixa de fazer algo por não querer incomodar, ou não queria tanto, ou faltou coragem para enfrentar o julgamento que o outro viria a fazer dela. Recuam preferindo a nulidade ao enfrentamento. 

“Aceitei para não fazer desfeita”: um amigo que convida para um aniversário; outro para ser padrinho/madrinha de casamento; um parente pede para se hospedar 30 dias na sua casa; um almoço de domingo na casa da sogra, dinheiro emprestador, ser fiador, etc. Quando isso ocorre, muitos contêm a vontade de dizer “não” e acabam dizendo “sim”. Se auto-anulam por uma grande dificuldade em falar a verdade, mas convencem a si e aos outros de que foi para não fazer desfeita. 

“Fiz porque fiquei com pena”: um sentimento de culpa equivocado acomete algumas pessoas que se sentem mal quando optam por satisfazerem seus desejos. Uma sensação de “não merecimento” faz com que a vontade do outro seja mais importante que a própria. 

Aos praticantes da auto-anulação, é importante diferenciar bondade de fragilidade. O primeiro tem a ver com atitude de amor ao próximo, altruísmo, doação, caridade; já o segundo, tem a ver com dificuldade em se posicionar. É importante uma investigação honesta para saber o real motivo da sua abnegação. 

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