Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Autocrítica x autopunição

Publicado em 09/01/2025 às 06:00.

Umas das coisas mais difíceis é conseguirmos fazer uma autocrítica honesta - e isso basicamente se deve à nossa falta de autoconhecimento, somada à dor de constatarmos uma condição da qual não nos orgulhamos, como, por exemplo, inveja, irritabilidade, grosseria, autoritarismo, etc.

Essa dificuldade faz com que evitemos olhar para dentro de nós. Isso explica por que é tão fácil enxergarmos os problemas dos outros, ao mesmo tempo que paira a cegueira sobre nossos próprios defeitos. 

Conseguir fazer uma verdadeira autocritica implica em mapear, com honestidade, nossas fragilidades e dificuldades, sem buscarmos um culpado externo para amenizar nossas condutas.O nome disso na psicologia é projeção - uma artimanha da mente que usamos para nos “proteger” do sofrimento e nos trazer maior conforto emocional, mas que na verdade só faz dificultar nosso amadurecimento. 

A projeção é um mecanismo de defesa do ego que consiste no deslocamento de um impulso interno para outra pessoa. Ao invés de assumir o problema, projeta-o no outro. Um exemplo é alguém egoísta que atribui egoísmo ao outro, ou um indivíduo ciumento que culpa o parceiro de sentir ciúmes. Impossibilitado de olhar para si por falta de arcabouço emocional, acaba projetando no outro exatamente aquilo que se é. 

Para aumentar a dificuldade na autocrítica, temos outro mecanismo de defesa que é a racionalização: trata-se da substituição da verdade por uma explicação aparentemente lógica que ameniza o problema. Outra fuga da realidade para fugir de si mesmo. Um bom exemplo é alguém conflituoso que coloca a culpa no “sangue italiano”, ou então quem promete parar de fumar, e não consegue, se apoiar na história de uma avó que morreu aos 98 anos fumando. Racionalizar é se apoiar numa “verdade-mentirosa" para justificar a ação e não assumir a própria responsabilidade. 

O fato é que olhar para si mesmo e se autorresponsabilizar é uma conduta muito difícil. Por isso o processo terapêutico não é facilmente aceito por algumas pessoas, que impossibilitadas de olharem para si, chamam o profissional de louco. Gostam de dizer “fui ao psicólogo e ele era mais louco do que eu, por isso não voltei”. 

Por outro lado, na contramão da autocrítica, temos a autopunição. E, vejam só, elas coexistem! A autopunição ocorre quando o individuo se martiriza por ter tido determinado comportamento. Fica ruminando o problema mentalmente, com pensamentos ininterruptos e torturantes, cogitando hipóteses imaginárias: “eu deveria ter falado isso”; “se eu tivesse feito aquilo, nada disso teria acontecido”, “por que não agi assim?”, “como pude não perceber isso, sou um trouxa mesmo”. 

Outro viés da autopunição ocorre por meio do sentimento de culpa. Um exemplo: a pessoa que se sente culpada por estar indo viajar e não estar proporcionando isso para a própria família. Uma culpa indevida, como se ela não tivesse direito de desfrutar o que conquistou. 

A reflexão importante desse artigo é a inversão que ocorre nesses sentimentos: evitamos a autocrítica e assim impedimos nosso avanço emocional, ao mesmo tempo que nos punimos por algo indevido. 

Seria bom pensarmos sobre esses dois contextos tão comuns e tão geradores de sofrimento. 

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