Atualmente recebo, com frequência, queixas sobre a dificuldade de se concentrar, prestar atenção e reter a informação. O indivíduo relata se perder mentalmente em aulas, conversas longas, palestras, como se a mente “voasse” a partir de um determinado momento. O problema se estende à dificuldade de manter uma leitura que costuma não passar de uma página e em casos mais graves não chega nem a um parágrafo. Quem apresenta essa reclamação em relação à leitura também tem a mesma questão em relação à escrita. Sente dificuldade até para escrever um cartão de aniversário.
Outra queixa dessa mesma natureza é a incapacidade de terminar tarefas e concluir projetos. Os objetivos que tanto querem se perdem ou por falta de interesse ou por desânimo. A empolgação é uma no início, é menor depois de um tempo e no final já não há mais interesse na tarefa proposta. Nesses casos sempre há um sentimento de frustração pela não finalização e, portanto, uma baixa autoestima que contribui para uma procrastinação na execução de novos projetos. Uma coisa ruim vai fazendo a outra ficar péssima.
Para entendermos melhor o que anda acontecendo, vale a pena voltarmos no tempo. Há alguns anos, podemos recordar que os números de telefone eram, em sua maioria, memorizados, assim como nome e sobrenome, endereços e, quando nos falhava a memória, precisávamos recorrer ao catalogo telefônico que também nos fazia exercitar o raciocínio. Se voltarmos um pouco mais podemos lembrar que escrevíamos cartas para nossos amigos e familiares que moravam em outras cidades e esperávamos pacientemente a resposta, que às vezes vinha, outras não. Um exercício de resignação, sem ansiedade e muito pouca expectativa. E quando recebíamos resposta era uma grande alegria. As dúvidas eram sanadas numa incursão literária na enciclopédia e nos livros emprestados nas bibliotecas, o que nos proporcionava um exercício grande de retenção da informação. Toda a dificuldade nos fazia valorizar mais as fontes de informação e treinar o armazenamento em nossa memória.
Voltando para nossa atualidade, temos grandes e maravilhosos avanços tecnológicos capazes de nos proporcionar mais segurança e conforto, ao mesmo tempo que apresenta seus indiscutíveis efeitos colaterais. Hoje, nossas agendas são digitais, ninguém decora um número de telefone, alguns nem o próprio são capazes de lembrar, o exercício da leitura foi substituído por imagens, textos curtos, áudio e vídeo são vistos e ouvidos em modo acelerado. Não escrevemos mais cartas nem bilhetes, substituímos isso por recados rápidos de áudio.
As pesquisas são tão acessíveis que não há nenhuma necessidade de reter a informação, podemos acessá-las quantas vezes forem necessárias e assim fazemos com que nossas máquinas sejam nosso HD externo, tirando da nossa responsabilidade a necessidade de armazená-las. O exercício da memória. Jogamos nosso exercício mental fora e o transferimos para a nuvem.
Ao mapearmos o que está nos prejudicando também conseguimos entender como resolver ou ao menos melhorar essa equação. A questão é que poucos estão dispostos ao exercício árduo para chegar ao resultado; a maioria quer atalhos e por isso opta por soluções rápidas que exigem menos esforços, como, por exemplo, as medicações para aumentar a concentração.
Não quero deixar de mencionar o transtorno de déficit de atenção, que é algo sério e merece ser tratado com todo cuidado, assim como problemas graves de memória causados por efeito colateral de algum tratamento, ou outras questões de ordem neurológica. A intenção, aqui, é refletir sobre a preguiça intelectual que está empobrecendo nossa sociedade, nos tornando pessoas menos interessantes, e nos fazer obter por meio da química a inteligência que nos é dada gratuitamente.