Muito se fala em relacionamento abusivo a partir da figura de um abusador; ora narcisistas, ora psicopatas, dois transtornos de personalidades que depois de detectados são facilmente percebidos. Importante observar que, muitas vezes, o mesmo olhar apurado para perceber o outro se torna míope para se auto-observar. Quero com isso me referir meramente à dificuldade que todos temos em relação à autocrítica honesta isenta de emoção.
A partir dessa dificuldade é possível desenvolvermos uma conduta autopunitiva e/ou abusiva conosco mesmo. Para facilitar a reflexão acerca do tema, apresento 5 exemplos:
1- Se espremer para caber no molde do outro: querer ser agradável é uma coisa, querer agradar é outra. Um simboliza cordialidade, o outro fragilidade. Não querer desagradar tem a ver com medo de rejeição. É certo que ninguém gosta de ser rejeitado, mas devemos lutar para passarmos por isso mantendo a fidelidade a nós mesmos e sem nos anularmos. Além disso, quando matamos nossa individualidade acabamos criando uma “vida dupla”, onde só podemos, de fato, tirar a máscara quando estamos a sós.
2- Ruminação mental: Se tem algo torturante é a mente tagarela, que não se cala. A natureza da ruminação é sempre punitiva - deveria ter dito aquilo; não deveria ter ficado ali; por que eu aceitei aquilo?; que raiva de não ter me expressado da forma correta; como eu pude aceitar isso?… Esses e outros questionamentos intermináveis tiram o sono, o estado de serenidade, a paz e rebaixam a autoestima. O pensamento é caótico e intrusivo por natureza, isso é, não conseguimos evitar que ele chegue, mas somos nós que permitimos que ele faça morada.
Portanto, dissipar a ruminação é de responsabilidade nossa e um excelente antídoto é o autoperdão. Aceitar que fizemos tudo que foi possível pode ser um ótimo começo para silenciar essa tortura mental.
3- Perfeccionismo: é uma tendência de algumas pessoas, geralmente muito talentosas, de buscarem a perfeição em tudo que fazem. Elas exigem tanto de si, um resultado tão espetacular, tão impecável e sem erro, que acabam ficando paralisadas, procrastinando ao máximo o que precisam fazer. Isso ocorre pois não há prazer na execução, pois devido ao rigor qualquer atividade acaba ficando muito penosa. O clima é de constante angústia e ansiedade. Exigir a perfeição é, além de abuso, uma grande maldade que fazemos conosco. Para sair desse vício é preciso querer que ele acabe e através disso ter coragem de estabelecer (e cumprir) um combinado consigo de não ficar repassando incontáveis vezes a tarefa, entregando-a do jeito que está e bancando o resultado que daí vier.
4- Permanecer na zona de conforto desconfortável: a dificuldade de ousar de algumas pessoas faz com que elas continuem num lugar conhecido, mesmo que infeliz.
Um abuso em pequenas doses, onde o indivíduo tenta se convencer que não é tão ruim assim, mas sim ele que é exigente.
5- Autossabotagem: é um comportamento que se manifesta ora impedindo que o objetivo desejado seja atingido ora indo na contramão dele. Esse boicote pode se manifestar através de condutas corriqueiras como não terminar aquilo que começou, perder um prazo de algo que tanto queria, deixar de fazer algo por medo de errar, se propor a agir de uma forma e descumprir na primeira dificuldade, gastar mais dinheiro quando a proposta é economizar, comer mais quando quer perder peso. Essa sabotagem tem um forte vínculo com a premissa inconsciente de não merecimento. Para romper isso é preciso, antes de qualquer outra coisa, perder o medo do sucesso.
So saímos da condição de auto abuso quando criamos por nós um amor capaz de nos resgatar do abusador, seja ele o outro ou nós mesmos.