“Tenho um grande sofrimento em família, minha mãe só me liga para reclamar da vida e em seguida pede algum tipo de ajuda. Como eu dava solução para os problemas dela, ela passou a reclamar menos e a pedir mais. Começou a pedir dinheiro, sempre dizendo que precisa fazer exame e que tá muito doente, mas ao mesmo tempo vejo que ela bebe e fuma muito. Não acho que quem vive como ela está tão doente assim. Mas como eu não conseguia negar, continuei dando dinheiro e aconselhando.
Passava noites mal dormidas e fazia até hora extra para ajudar mais. Só que não parava de pedir. Pedia favor, pedia carro, pedia mais dinheiro e se por acaso eu negasse ela falava com a voz triste, fingindo que compreendia que eu não tinha responsabilidade, que ela era um peso na minha vida e ficava uns 15 dias sem conversar comigo, parecia que estava me punindo. Quando eu ligava ela não atendia. Ficava parecendo que eu só prestava para ela se eu fizesse o que ela queria. Nunca quis saber como eu estava, se eu ia comemorar meu aniversário, como estava no emprego, nada.
Depois de anos de frieza dela e eu me sentindo usada, comecei a negar até negar por completo. Conclusão, ela nunca mais foi a mesma comigo. Hoje temos um relacionamento frio e eu ainda me sinto péssima filha por negar dinheiro a minha própria mãe, sendo que eu sei que ela não tem limites e muito menos pena de mim por me explorar tanto. Queria parar de me sentir mal, pois esse sentimento de culpa me corroi por dentro”.
Histórias como essa, infelizmente, não são incomuns. É grande o número de filhos que se sentem mal em negar algum pedido dos pais, e, não coincidentemente, os pais que mais têm esse tipo de postura são também aqueles mais frios emocionalmente.
Temos a ideia reforçada pela sociedade e pela religião de que nossos pais são sagrados e nos amam. Devemos ter cautela, isso não é uma verdade absoluta! A frieza emocional pode estar no traço de personalidade do indivíduo mesmo depois dele se tornar pai ou mãe. Conhecemos inúmeros casos de violência infantil que vão desde distância afetiva até homicídios. Já na vida adulta os filhos não são tão vulneráveis, por isso a agressão muda de formato e pode chegar em forma de chantagem.
Curioso é observar como a postura claramente oportunista dos pais encontra lugar de comoção na vida dos filhos. Isso ocorre tanto pelos laços sanguíneos quanto por um senso de responsabilidade misturado com sentimento de culpa, onde os filhos se sentem desnaturados caso não atendam às solicitações dos genitores. Há também uma espécie de sensação de dívida por terem sido cuidados na infância, e por isso eles se sentem obrigados a obedecer os pedidos, mesmo os indevidos como o relato acima.
É importante ter em mente que sentimento de culpa só deve funcionar quando realmente formos nós os causadores de algum mal ou dano. Fora isso, não podemos nos sentir culpados por querer desfrutar de algo que foi fruto de nossas conquistas e não compartilhar com familiares. Também não devemos abrir mão daquilo que possuímos por fruto do nosso esforço apenas porque o outro quer ou nos pede em tom choroso.
Negar algo para pais claramente exploradores não deveria nos gerar toda essa culpa e nem mesmo tristeza - não a negativa, mas sim o desamor. Constatar que os pais buscam os filhos só para atender aos interesses próprios, este sim é um grande motivo para se entristecer, mas também pode servir para impor limites e ficar em paz com isso.