Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Jogos online, a droga da atualidade

Publicado em 19/09/2024 às 06:00.

Jogo de azar é tão antigo quanto o vício que ele causa e o estrago também - mas, nos tempos atuais, em que se anda com a “casa de apostas” nas mãos, nunca foi tão devastador. 

A saúde mental, que vivia comprometida por problemas familiares, baixa autoestima, abuso psicológico, corações partidos e dores derivadas da rejeição, nunca foi tão demandada quanto com a destruição causada pelo vício em jogos. 

Se antigamente os pais voltavam sua atenção sobre os perigos das drogas, do álcool, agora é preciso redobrar o cuidado com a droga mais poderosa e sorrateira que está nas telas. Esse é um grande desafio, visto que a tecnologia é sofisticada e a sedução, tentadora. Dessa forma é possível abocanhar uma legião não só de adolescentes, mas de pessoas vulneráveis que aderem a essa arapuca digital. Uma vez aderido à sedução, é muito pequeno o número dos que voltam; a maioria permanece e faz morada. Geralmente os pais ou cônjuges só descobrem quando a “casa cai”. 

Matheus, um rapaz de 35 anos, recém-casado, desde novo era viciado em competições de jogos online. Quando assumiu o compromisso de casar, por solicitação da  esposa, largou esse vício, mas rapidamente conheceu outro: a aplicação na bolsa de valores - que também é uma espécie de jogo. Ele gostava de dizer que era um “risco calculado”, e depois que ficou mais experiente no manejo ganhou algum dinheiro e também mais confiança.

Assim começou a investir o dinheiro do casal, dos pais e da família da esposa. Não demorou muito para que ele tivesse sua primeira queda vertiginosa, que administrou em silêncio. Quando veio o segundo tombo, precisou pegar dinheiro emprestado com o banco. Não sendo suficiente,  teve a ideia de conseguir um dinheiro rápido em apostas online. Aí foi a derrocada mortal, pois além de não ganhar nada, ainda perdeu tudo. 

Matheus estava sem  dinheiro nenhum, com os 5 cartões de crédito explodidos e com uma dívida no banco que só crescia. 

A primeira a descobrir foi a esposa, quando o cartão não funcionou no caixa do supermercado. O marido, que vivia com os nervos à flor da pele, mau humor, irritadiço e com a ansiedade altíssima - o que o fazia comer, beber e se automedicar de maneira compulsiva - contou parcialmente para a esposa, mas omitiu 80% do problema. Ela, comovida e assustada com tudo, fez o que ele pediu: um empréstimo bancário em nome dela e o dinheiro virou fumaça em dias e só fez aumentar ainda o rombo. 

Com vergonha, desmoralizado e se sentindo derrotado, partiu para a “solução definitiva” e atentou contra a própria vida, ingerindo veneno, mas foi encontrado a tempo de ser socorrido. Após 15 dias hospitalizado, oito deles no CTI, a família se reuniu e decidiu vender a casa dos pais. O valor foi suficiente para quitar as dívidas com o banco, os cartões e os empréstimos que havia feito com os amigos. Nada mais sobrou. O dinheiro foi todo perdido e os pais, já aposentados, foram morar de aluguel. 

A pergunta que muitos fazem é: por que uma pessoa, quando percebe que está perdendo, não para antes de piorar a situação?

Isso não ocorre por dois fatores: vício emocional - desejo de resgatar o prejuízo, aliado à falsa crença de que a vitória está sempre na próxima jogada. Essa ilusão faz com que o indivíduo pense abaixo do limiar da cognição, perdendo a capacidade não só de pensar como a de frear  impulsos, um buraco sem fundo. E o outro motivo é a dependência química. Quando um jogador dá o lance, vem a descarga de adrenalina - um poderoso componente que o leva a um estado de euforia, excitação e ansiedade. Dependendo da aposta, isso pode durar segundos, horas, ou dias, e  o apostador se dedica integralmente a acompanhar o andamento da situação, gerando ainda mais adrenalina. Quando vem o resultado, a pessoa recebe a descarga de dopamina. Essa dobradinha: adrenalina x dopamina é a fórmula da dependência química, que ocorre não só com jogos, como também em compras, compulsão alimentar, masturbação, negócios ilícitos, coisa escondidas.

Entrar é fácil, sair é dificílimo - requer mais que força de vontade, é preciso uma modulação neural através de novos estímulos. Um caminho longo que nem todos estão dispostos a percorrer. 

A lição que fica é: drogas, melhor não experimentá-las. 

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