Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Macromundo e micromundo

Publicado em 07/09/2023 às 06:00.

A vida moderna gira cada vez mais rápido e as mudanças ocorridas de algumas décadas para cá descrevem muito bem essa velocidade. O controle remoto foi um importante marco para demonstrar a dinâmica “comando x resposta”. Daí para frente temos como exemplo o fax, depois o email, o smart phone, as mensagem de texto e de voz aceleradas a 200% e os algoritmos das redes sociais que estimulam os textos curtíssimos e imagens que se renovam a cada três segundos. É a era tik tok, como alguns já apelidaram: tudo rápido, líquido e sem durabilidade. 

Sem nostalgia do passado, mas fazendo uma análise, há alguns anos nos correspondíamos com amigos e parentes por cartas. Não há como negar que havia ali um excelente exercício da paciência, onde você escrevia a mão, postava no correio e sequer sabia se seria respondido. Quando chegava a resposta era uma alegria.

Aliás, é importante ressaltar que o estado de felicidade era atingido com coisas simples e sem dispêndio financeiro. Mas, voltando às cartas e comparando com a forma de nos comunicarmos atualmente, conseguimos ver a ansiedade gerada quando a resposta demora chegar. Recentemente alguém me confidenciou que preferiu se afastar de pessoas “ruins de responder mensagens”. A lentidão de algumas pessoas tem causado muita irritabilidade em outras. Tempos modernos!

O fato é que com as inegáveis benesses da tecnologia e as visíveis desvantagens estamos sofrendo um desalinho grave,  pois nossas emoções não conseguem andar na mesma velocidade. 

Alguns anos atrás, na indústria fonográfica, ocorreu um prelúdio dessa desconexão, quando as gravadoras exigiam dos artistas um álbum por ano e ainda recheado de  sucessos. Frente à essa pressão, muitos músicos adoeceram e outros até abriram mão de contratos milionários para cuidar da saúde mental. Houve ali uma clara demonstração de que a velocidade exigida pelos empresários não era compatível com a criatividade, pois essa tinha seu próprio tempo. 

Atualmente o mesmo ocorre. A diferença é que além da figura do chefe que cobra, temos a urgência do mundo que estrangulou nossa calmaria, nossa paciência para esperar e nossa serenidade mental. A paz de espírito que almejamos não combina com a rapidez da rede social; a longevidade do amor não tem a ver com o perecível das redes. 

O tempo passa, mas as nossas emoções continuam necessitadas de afeto verdadeiro, aquele que nenhuma declaração postada consegue preencher. Nossas dores derivadas do luto da perda não cicatriza na velocidade 2x. E assim nos sentimos cada vez mais sozinhos, pois quase ninguém está disposto a ouvir o monotema daqueles que sofrem. Nem nós mesmos. 

Por essas e outras, os consultórios terapêuticos e psiquiátricos nunca estiveram tão cheios e os “tarja preta” nunca foram tão consumidos. Será que estamos fadados a adoecer nesse “copo do liquidificador” que se tornou a vida moderna? 

Penso que há um caminho. 

Para viver nessa urgência do mundo, devemos manter a calmaria no nosso micromundo. Bons hábitos, sono de qualidade, exercício físico não podem faltar, mas, principalmente, respeito à velocidade das nossas emoções e não exigir de si a performance de uma máquina ou de um aparelho celular. 

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