Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Melhor fazer para não ‘ficar chato’

Publicado em 13/02/2025 às 06:00.

A maioria de nós foi educada para agradar o outro, uma educação que nos ensinou a prioridade do outro em detrimento da nossa, uma auto-anulação para que o outro desfrute dos privilégios. Nessa vertente aprendemos a aceitar uma comida que não queremos para não fazer desfeita, ir aonde não estamos com vontade para não ficar chato, elogiar mesmo não sendo verdadeiro para não pegar mal, fazer sempre com que o outro se sinta bem, mesmo que isso nos cause desconforto.

Nossos pais nos ensinaram a agir assim pois, muitas vezes, era assim que aprenderam também e, além disso, a tratar com deferência quem era socialmente ou financeiramente superior. Antigamente era nítida a hierarquia social, onde uns tinham que se rebaixar para que outros fossem exaltados. 

Embora, hoje em dia, de uma forma menos explícita, isso ainda exista, muitas coisas melhoraram - inclusive a liberdade de se desvencilhar dessa educação opressora. Mas, no passado, nossos pais tinham orgulho de anular os desejos dos filhos em prol dos outros, pois isso era sinônimo de bons modos e assim todos os aplausos recaíam sobre a boa educação. Nota 10 para os pais. Não há como negar um elemento da vaidade, ainda que encoberto no desconhecimento. 

Essa educação castradora deixou grandes consequências na saude emocional de muitos filhos, hoje adultos, como, por exemplo:
Baixa autoestima: é deflagrada quando o indivíduo  tem um distorcido juízo de valor a seu respeito, resultando uma descrença em si mesmo. E quanto menos ele acredita em si, mais a autoestima abaixa. Um ciclo que pode se tornar um buraco sem fundo, fazendo com que a pessoa se submeta a condições inferiores às que de fato mereceria. 

Dificuldade de se posicionar: uma das heranças dessa educação é a dificuldade de dizer “não”. Quem foi ensinado a ceder tem um grande desconforto quando precisa se priorizar ou apenas se posicionar. Alguns chegam até a assumir um prejuízo que não é seu para não ter que enfrentar uma conversa sincera. 

Complexo de inferioridade: um constante sentimento de menos valia presente na maioria dos contextos, fazendo com que a pessoa  sinta sensação de inadequação, vergonha e desconforto de maneira geral. 

Insegurança: é uma fragilidade geradora de angústia, sofrimento e ansiedade. Quando o indivíduo não confia em si ele é tomado por pensamentos negativos, questiona suas decisões, falas, fazendo com que pense que todos fariam melhor que ele. 

Autossabotagem: como consequência da insegurança a pessoa acaba ativando os mecanismos de defesa, como a procrastinação, por exemplo. Boicotar o próprio sucesso pode ocorrer de forma inconsciente (ou não), mas sempre é um obstáculo colocado pela própria pessoa impedindo que o objetivo principal seja atingido. Um comportamento que faz com que a pessoa seja algoz de si mesma. 

Independentemente de qualquer consequência que a educação castradora tenha deixado, a pior delas é continuar acorrentado, praticando a autocastração. Permanecer nesse padrão deficitário é viver no submundo existencial permissivo ao abuso. É como fazer uma viagem no porão do transatlântico. 

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