Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Modo acelerado

18/08/2021 às 18:12.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:42

Curioso perceber como a nossa impaciência refletiu até na tecnologia; um exemplo é a opção acelerada dos aplicativos para ouvir áudios. Ja há algum tempo, o modo de se comunicar migrou para mensagem, um reflexo também da nossa ansiedade. Uma conversa presencial demanda mais tempo, paciência e escuta ativa. Tudo isso se reduz quando nos comunicamos por mensagens. Mas, mesmo assim, o tamanho dos áudios vinha incomodando muitos. Criou-se então a opção de colocá-lo em alta rotação. 

Para atender à nossa avidez pelo rápido conseguimos acelerar não só mensagens, como também vídeos no youtube, filmes, pular introduções, etc. É visível o nosso incômodo em esperar. Além disso, outra questão ocorre na atualidade: a dificuldade de concentração. Assistimos TV, ao mesmo tempo que mexemos no telefone, enviamos uma mensagem, abrimos aplicativo, enquanto fazemos uma ou outra atividade manual ou lembramos e nos preocupamos com algo.

É verdade que a modernidade tecnológica muito veio para nos ajudar, mas também nos deixou mentalmente preguiçosos, ansiosos e inquietos. Alguns reflexos disso:

Dificuldade em prestar atenção: estamos cada vez mais “presenteístas” – corpo presente e mente divagando.

Não aguentamos esperar: tudo ficou urgente, precisa ser resolvido e respondido rápido. Se compararmos à paciência que tínhamos que exercitar ao escrever uma carta e esperar a resposta, hoje consideramos um absurdo se nossa mensagem não for respondida em 1 hora. Estamos sem reservas de paciência, passamos de calmos para furibundos num segundo. Serenidade é uma virtude rara.

Ansiedade: o numero crescente de ansiolítico e antidepressivo nos mostra uma população adoecida. Segundo dados da Agência Brasil, uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2020 revelou que 80% da população brasileira tornou-se mais ansiosa na pandemia. A ansiedade se mostra crescente no mundo, mas o curioso é que a mesma pesquisa em outros países apontou que a ansiedade aumentou 30%, ou seja, conseguimos perceber que a coisa já não ia bem por aqui.

Déficit de memória: há muita queixa sobre a dificuldade em reter e lembrar dados e informações. Sabemos que a memória funciona como um músculo que, se exercitado, tende a crescer. Antigamente guardávamos números de telefone, citações literárias, orações, isso porque não tínhamos recursos para nos ajudar. Com a modernidade vieram as agendas, os corretores ortográficos, os audiobooks, os lembretes e ficamos preguiçosos. Não queremos ler, tudo tem que ser muito resumido, abandonamos os textos e preferimos as imagens.

Como podemos nos salvar?

Aos interessados em melhorar a qualidade de vida física e psíquica convém remar contra essa maré. Além de exercitar o corpo, devemos também abandonar o hábito da multitarefa, isolar o telefone quando formos assistir um filme, dirigir, conversar; desenvolver a disciplina da leitura diária, exercitar a paciência esperando, ouvindo com atenção.

Se conseguirmos desacelerar seremos melhores para os outros e principalmente para nós mesmos. 

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