Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Pobre de mim

Publicado em 26/10/2023 às 06:00.

Nossas dores, sofrimentos e angústias têm a ver com as nossas fragilidades. Quanto mais uma pessoa se fortalece emocionalmente mais hábil ela se torna para lidar com as frustrações que vivenciará ao longo da vida e consequentemente mais rapidamente conseguirá se recuperar de um baque emocional. Ser forte não exime uma pessoa dos dissabores da vida, somente a deixa mais competente para administrar o sofrimento. 

Portanto, o avanço emocional é um caminho importante para que um indivíduo se livre mais rapidamente de um problema, não se deixando sucumbir a ele. Mas avançar rumo à força psíquica requer esforço, empenho, privação, disciplina e sacrifícios que nem todos estão dispostos a ter. 

Muitos questionam a tão falada “força de vontade”, dizem que não a possuem com a mesma intensidade que os demais e com isso justificam a sua dificuldade em manter os combinados que fazem consigo mesmos. Ocorre que essa força só é adquirida quando a pessoa abre mão de um prazer imediato em prol de um benefício futuro. É o que Freud chamava de “princípio do prazer” e “princípio da realidade”. 

Indivíduos regidos mais pelo prazer são mais impulsivos, fazem hoje e resolvem amanhã. Preferem prejudicar a saúde, o sono e as economias financeiras para não se privarem de algo momentâneo. A dificuldade em tolerar o sacrifício é tão grande que acabam fracassando no primeiro obstáculo. Essa dificuldade em manter a disciplina não significa uma preguiça propriamente dita, mas sim uma intolerância ao desprazer. O “abrir mão” é algo muito penoso para eles. Já as pessoas regidas pelo princípio da realidade têm como base a obtenção do prazer por meio do merecimento. São mais maduras emocionalmente, com maior capacidade de tolerar o sacrifício. Abrem mão do prazer imediato para ganhar lá na frente. São comedidas e estão sempre ponderando o custo/ benefício da situação. Não são dadas a excessos momentâneos. São consequentes e sabem que essa é a melhor forma de cuidar bem de si. Fazem o que tem que ser feito. 

Há ainda uma terceira categoria de pessoas que são aquelas que, sem conseguirem conquistar o que desejam, entram num discurso de lamentação, geralmente projetando a responsabilidade para fora. Com isso, não assumem de forma alguma as consequências das suas escolhas. Para eles, “o inferno são os outros”. 

Na narrativa dessas pessoas, o discurso vem sempre embutido com a ideia subliminar do “pobre de mim”. Quando vão contar uma história, tratam logo de narrá-la de forma a deixar o interlocutor com pena dele. 

Como atrás de todo comportamento há um ganho, o “pobre coitado” leva vantagem em ser assim. Enquanto ele estiver nesse papel, receberá mais atenção, mais acolhimento, mais ajuda e, de lamúria em lamúria, seguirá recebendo recompensas de quem tenta ajudar. Dificilmente esse “coitado” sai sem levar algum tipo de vantagem, ou seja, quem sustenta esse jeito de ser é quem reforça esse tipo de comportamento. 

Portanto, vale a reflexão: algumas pessoas, para você ajudar, você precisa parar de ajudar. 

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