Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Por que conviver é tão difícil ?

Publicado em 19/01/2022 às 15:15.Atualizado em 21/01/2022 às 12:16.

Para entender a complexidade da convivência, primeiramente é preciso assumir, com honestidade, nossas próprias falhas antes de apontá-las nos outros, uma atitude muito difícil.  Além disso, não basta identificá-las, é preciso também corrigi-las. Caso contrário, corre-se o risco de fazer como o devedor confesso, que deve e não nega, mas também não paga. 

A dificuldade na autocrítica e também em corrigir o próprio comportamento dificultam, e muito, a convivência humana. Somado a isso, alguns comportamentos podem dificultar ainda mais, como, por exemplo, a crítica. Ninguém quer ser criticado, ainda mais quando vem daquele que não tem  muita propriedade para falar. Existe um ditado que resume bem isso: “o sujo falando do mal lavado”.

Outra questão importante, e geradora de discórdia, tem a ver com o fato de que quando uma opinião diverge da de outra pessoa, ambas começam a entender que pertencem a grupos rivais. À partir daí inicia-se uma disputa argumentativa onde o intuito não é enriquecer o debater, mas sim vencê-lo. O resultado disso são relações estremecidas, para não dizer rompidas.

Outro ponto que dificulta a convivência é a inveja. Importante ressaltar que nem sempre há uma consciência sobre tal sentimento. É muito comum a inveja se manifestar através da hostilidade ou da ingratidão. Um exemplo disso são as relações onde uma pessoa ajuda, de forma explícita, a outra, e a partir daí, sem nenhum motivo aparente, a relação enfraquece. Ficamos sem entender o que faz uma pessoa a quem emprestamos dinheiro, ajudando num momento de dificuldade, sair por aí falando mal de nós? Difícil aceitar tal atitude, uma vez que esperamos, no mínimo, um sentimento de gratidão.

Muitas pessoas repetem a frase: “quer perder um amigo, empreste dinheiro a ele”. Claro que isso não ocorre em todos os casos, mas essa frase tem lá sua lógica, que pode ser entendida através de outro ditado: “a ingratidão é filha da inveja”. Sim. Poucos são os que aceitam receber com dignidade e retribuem com gratidão. Grande parte daqueles que recebem favores acabam por desenvolver uma grande hostilidade pelo doador, isso porque ele “tem mais” e isso gera um sentimento de revolta e inveja naquele que “tem menos”.

E não me refiro somente a dinheiro. Esse "empréstimo” pode ser em forma de afeto, carinho, ajuda, solidariedade, inteligência. Quem dá é o “abastado", quem recebe é o “necessitado”. Daí a inveja. A equação é simples: aquele que não tem inveja quem tem.

Dessa inveja nasce a hostilidade que pode se manifestar através da raiva, deboche, ironia, arrogância, desprezo, afastamento. Esses sentimentos dirigidos a quem tanto ajudou e contribuiu são uma reação negativa  típica de pessoas que se sentem por baixo e que, no fundo, reconhecem esse rebaixamento, mas, ao invés de assumir tal sentimento de inferioridade, dirigem sua agressividade contra o outro. Como se o fato de o outro ser abundante fosse uma afronta à sua escassez. E isso dificilmente tem um fim: quanto mais esses indivíduos recebem, mais hostilizam e mais falam mal do doador.

Dentre tantos obstáculos que dificultam a boa convivência, talvez este seja o pior deles. Primeiro por vir de pessoas que amamos e segundo por não ser fácil de admitir. Afinal, muitos se assumem como alvo de inveja, mas dificilmente alguém se admite invejoso. 

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