Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Qual é sua cocaína?

Publicado em 17/11/2021 às 15:19.Atualizado em 05/12/2021 às 06:16.

Quando falamos em dependência química, rapidamente associamos o termo ao uso de drogas. Porém, numa perspectiva ampla, todas as dependências são químicas visto que seu uso libera substâncias viciantes. Desta forma, a dependência é tudo aquilo que dá prazer e escraviza, como drogas, celular, rede sociais, determinados aplicativos, jogos, relacionamentos doentios, etc. 

O v/cio ocorre porque nosso sistema de recompensa cerebral é muito primitivo e obedece a um mecanismo psicológico de duas vertentes: busca de prazer e evitação do desprazer. Isso explica a repetição irracional que faz com que uma pessoa pegue no celular inúmeras vezes mesmo sem um motivo para tal. Um bom exemplo é aquela pessoa que ao ficar parada num elevador ou num semáforo fica ansiosa nos poucos segundos de espera. 

A dependência é, portanto, fruto das inúmeras repetições. Imaginemos que uma pessoa pegue no celular 100 vezes ao dia e faça uma ou duas atividades nele. Isso enviará para o cérebro algo em torno de 200 estímulos por dia. Essa ação, repetida por anos, faz com que a dependência seja equivalente à de drogas pesadas, porém mais acessível. O mesmo mecanismo ocorre com a dependência emocional, que faz com que um indivíduo sinta amor por aquilo que o destrói. 

Quem vê de fora julga como fraqueza, quando na verdade trata-se de uma doença. O cérebro de um dependente acredita, equivocadamente, que não existe prazer fora daquela “droga”. Por isso, muitos adiam a mudança  temendo a abstinência que isso causará. 

De fato, esse receio procede. O vício é tão poderoso que muitos, ao interrompê-lo, ao invés de melhorar, pioram. Apresentam sintomas de depressão e precisam ser medicados. Isso  ocorre porque depois de um determinado ponto a dependência trabalha contra a vida e a favor do vício. Uma batalha intensa que tira o usuário da sua condição de liberdade, colocando-o numa prisão humilhante onde não se é mais “senhor de si”. 

Além disso, outros prejuízos vêm a reboque. O financeiro é um deles, visto que a dependência é um convite à queda de produtividade profissional, talvez não percebida a curto prazo. Outra questão é a tolerância, que faz com que a intensidade do prazer seja cada vez maior, enquanto a necessidade do consumo só aumenta. Um descompasso crescente, gerador de grande ansiedade. 

É comum, após uma situação de intenso prejuízo, a pessoa se propor a largar o comportamento autodestrutivo, mas nem sempre isso é levado adiante; quando passa o susto, passa também a força de vontade. É como uma ressaca, onde o sujeito promete que nunca mais irá beber, mas, ao passar o período de dor, vem o descompromisso. Já os mais responsáveis consigo levam à frente suas promessas. Estes, além de fazer um serviço à sua saúde mental, ainda descobrem um prazer muito maior que é o de dominar aquilo que os dominava. Em termos de satisfação, não há dinheiro que pague!

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