Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Quando a preocupação com a imagem é um entrave emocional

Publicado em 08/02/2023 às 19:16.

Dia desses ouvi o relato de alguém que dizia que aceitava fazer o que não queria não pela dificuldade de dizer “não”, e sim por um grande receio de magoar o outro. Por essa compaixão alheia, sacrificava a própria vontade para atender aos anseios do outro. 

Muitos são os que pensam dessa maneira, mas o fato é que esse comportamento altruísta não é tão verdadeiro quanto parece. Salvo em alguns casos, quando um filho não quer negar o pedido de uma mãe para acompanhá-la a um médico, ou de uma avó que precisa de alguém para locomovê-la. Nesses casos e outros similares, geralmente as pessoas não negam tal pedido e até fazem questão de atendê-lo.

Porém, quando isso ocorre em situações rotineiras da vida, é preciso uma análise mais cautelosa para não correr o risco de se autoenganar. Numa situação comum, por exemplo, em que uma pessoa é convidada para ir a um evento no qual ela não sente à vontade, mas não consegue negar, a pessoa aceita não para não desagradar o outro, mas sim para não desagradar a si própria. 

Explico melhor. A dificuldade em se posicionar de forma contrária ao esperado pelo outro tem a ver com o medo do que ele irá pensar de nós e por isso aceitamos para que continuemos a ter um bom conceito na cabeça do outro. Ou seja, a dificuldade em dizer “não” está diretamente ligada à preocupação que temos com nossa imagem. Nada tem a ver com a nobreza de não querer magoar. 

Nessa mesma vertente está o famoso “não quis te incomodar”. Quando ouço isso, logo penso, das duas uma: ou não queria tanto ou estava com medo do que eu iria pensar a seu respeito. Geralmente é a segunda opção. 

O fato é que a preocupação com a nossa imagem é um grande entrave emocional que nos impede de desfrutar, com a liberdade que merecemos, as coisas da vida. No fundo não há uma autoaceitação, e o medo de ser julgado aos olhos dos outros gera um enorme pavor. Preferimos nos proteger do risco de ser descobertos, mesmo que essa proteção nos prejudique. 

Um outro exemplo ocorre quando um rapaz, por medo de fracassar sexualmente, toma remédio preventivo como se o fato de fracassar fosse a pior mácula que ele pudesse carregar em seu currículo afetivo. 

Outro artifício amplamente usado para vender uma imagem superior à realidade é a mentira. Narrar conquistas de forma exagerada, manipular fotografias para parecer mais jovem ou mais bonito, exibir bens materiais e condições privilegiadas que nem sempre condizem com a realidade financeira. Todos esses truques e outras mentiras até maiores podem ser usadas no intuito de manter um alto juízo de valor no imaginário de quem assiste. A mentira é tudo que aquela pessoa gostaria que fosse verdade. 

Com tanta preocupação com a imagem, além da ansiedade que isso gera, não há como manter uma boa autoestima. É importante ressaltar que no jogo da autoestima não é possível roubar. Mesmo que os outros acreditem no disfarce, internamente o indivíduo tem consciência do próprio medo e isso o mantem prisioneiro de si mesmo. 

Se desvencilhar disso requer um mergulho honesto em si com um compromisso real de se livrar do pacto com a perfeição. Aos menos resistentes, a terapia pode ser um bom começo.

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