Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Quanto a sua criança ferida ainda comanda sua vida?

Publicado em 15/12/2022 às 06:00.

Dia desses recebi um vídeo de humor baseado na caricatura da realidade que falava de um rapaz que sequestrou o próprio terapeuta para que o respondesse o que deveria fazer, uma vez que ele estava cansado de pensar e queria respostas prontas. A história se desenrola até que, com uma arma apontada para a própria cabeça, o terapeuta diz que ele é uma criança mimada que projeta no outro todo o amor que acha que não teve dos pais e acredita que o mundo lhe deve amor.

O vídeo, apesar de ter o objetivo de fazer humor, não deixa de abordar um assunto sério, real e mais comum do que imaginamos. Sim, muitos de nós nos tornamos adultos, mas continuamos com nossa criança ferida com sentimento de abandono, cobrando dos outros (verbalmente ou silenciosamente) a atenção que precisamos para suprir nossa carência e acreditando que tudo que recebemos do outro é pouco, pois mereceríamos mais.

Com toda essa carga projetada no outro, acabamos nos tornando um “buraco sem fundo” que sabota as relações por medo de reeditar um possível abandono. O pensamento inconsciente é: “antes que o outro me largue, eu mesmo vou dar um jeito de estragar isso aqui”.

A maioria de nós cresce com questões em aberto da nossa infância. Cicatrizes que, apesar de não doerem, costumam sangrar cada vez que vislumbradas. Algumas situações podem nos sinalizar isso. Tais como:

Se sentir vítima: situações em que nos sentimos usados pelo outro, colocando um na condição de algoz e o outro na condição de vítima, têm muito a ver com o sentimento da criança quando se sente injustiçada. Essa ferida, quando aberta na vida adulta, leva o indivíduo a se sentir vítima da situação.

Demanda afetiva interminável: nenhuma atenção parece ser suficiente para a criança. Da mesma forma ocorre no adulto que carrega consigo essa ferida emocional. Toda atenção perece pouco e a cobrança não tem fim.

Birra: adultos que não conseguem lidar de forma madura com as frustrações viram pessoas birrentas que tentam, através desse comportamento, fazer valer suas vontades. Alguns exemplos de birra: chantagem emocional, manipulação, silêncios torturantes, não admitir os erros para não dar o “braço a torcer”, mudar de plano se for contrariado. A intolerância à frustração é tipicamente da criança.

Quando a mesma vem na vida adulta, há um considerável rebaixamento da qualidade das relações.

Medo: não se comunica de forma clara por algum tipo de medo (ser abandonado, ser criticado, ser retaliado,  ser punido), tal qual a criança, por medo, prefere fazer escondido do que falar a verdade.

Continuar com atitudes infantis é permanecer alimentando as dores que tanto o feriram. Aos que buscam curar a criança ferida e se estabelecer na vida de adulto, um bom exercício é assumir a própria vida sem buscar “pais e mães” nas outras pessoas; parar de apontar culpados para situações cotidianas da vida, não sentir pena de si e acreditar que sua dor é maior que a dos outros (egocentrismo típico da criança), assumir a responsabilidade pelas alegrias e tristezas se sabendo o único responsável e solitário na própria caminhada.

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