Se murcharmos a barriga, encolhermos um pouco o pé, respirarmos fundo, a calça apertada entra, o sapato menor serve. Se fizermos força, tudo aquilo que não nos cabe, acaba entrando. Aos olhos de quem vê, a composição se apresenta perfeita, o mesmo não pode ser dito por quem usa. Como diz o ditado: “Só quem sente sabe onde o calo machuca”.
A analogia da roupa é cabível para o campo das relações. E não me refiro a concessões e negociações típicas de uma boa convivência. Me refiro a algo que não nos serve e mesmo assim forçamos para entrar.
Este é o exemplo de Raquel. Advogada, 43 anos, casada desde os 30 e com um total de 15 anos de relacionamento desde o namoro. Desde o começo sentiu que se não abrisse mão de algumas condutas, como por exemplo, encontrar suas amigas, a relação poderia não ir para frente. Não que seu marido expressasse verbalmente tal proibição. Ao contrário, nada de cunho “pode”, “não pode”, era expressamente dito, o que dava a impressão de que tudo podia. Mas bastava ele reprovar algo para que o clima mudasse.
Voltando ao caso da Raquel, como muitas vezes o marido se comportava assim, ela foi se moldando para não contrariá-lo. Ao ser questionada sobre o porquê de estar limitando a vida por causa dele, ela se defendeu: não faço por ele, faço por mim, para não sofrer as consequências. Um autoengano que tentava amenizar a castração sofrida. Ela também alegava que valia a pena se privar dos seus prazeres em prol da relação, pois havia muita afinidade entre eles.
Aqui uma pausa para analisar com mais cautela os tipos de afinidade: as básicas e as de conduta. Gostar das mesmas músicas, ter um estilo de vida parecido, gostar de viajar, rir das mesmas bobagens, ter um gosto e um senso de humor parecidos, os mesmos planos de vida a longo prazo, tudo isso é um ingrediente muito poderoso que, inclusive, na fase do encantamento proporciona a sensação de se tratar da alma gêmea. Porém, as afinidades de conduta são as que dão longevidade e saúde à relação, são elas: disposição para dialogar, capacidade para fazer concessões, respeito à individualidade, conduta confiável a não proporcionar insegurança, respeito aos combinados, delicadeza no trato diário, capacidade de aprender com os erros e não reincidir, se responsabilizar pelos atos, estar atento ao bem-estar do outro (isso implica em recuar mediante alguma conduta que pode ferir). Essas são as afinidades de conduta que nutrem a admiração –a matéria-prima do amor.
No caso de Raquel, eles só tinham as de base, pois nas de conduta percebia-se claramente que só ela estava disposta a ceder e cortar de si para não gerar mal-estar. Já ele, apesar de se considerar extremamente flexível (a maioria das pessoas egoístas tem dificuldade em fazer uma real autocrítica), não estava muito disposto a abrir mão de si.
Aos quatro anos de relação veio o primeiro filho, depois o segundo. Na fotografia via-se uma família feliz, um relacionamento saudável e um modelo de sucesso. Na vida íntima, Raquel distanciou-se tanto de si para não desagradar o marido que não conseguia discernir o que era certo ou errado e, mesmo sendo impecável na dinâmica familiar, seguia recebendo críticas constantes do marido.
Nossa essência é como se fosse nosso “molde”. Quando nos esprememos para caber no molde do outro, além de um ato de irresponsabilidade para conosco, nos dói muito –tal como um sapato apertado: serve, mas machuca. Por outro lado, quando os moldes se assemelham, a convivência é fluida, leve e com diferenças ajustáveis. É como diz o ditado: se precisar forçar é porque não é do nosso tamanho. Isso se aplica a anéis, sapatos e principalmente pessoas.