Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Síndrome de super-herói

Publicado em 27/02/2025 às 06:00.

À primeira vista, uma pessoa que se coloca na condição de salvadora do outro pode parecer  altruísta, de grande virtude e extremamente bondosa. Contudo, nem tudo o que reluz é ouro. Colocar-se nesse papel de se responsabilizar pela felicidade do outro, buscando constantemente agradar, ser prestativo, assumir responsabilidade, colocando as necessidades dos outros antes das próprias, além de exaustivo pode ser grande demonstração de fragilidade e busca de aceitação. 

Esse comportamento de estar sempre promovendo o bem estar do outro tem raízes fortes na sensação de menos valia. Contudo, precisamos levar em consideração que fomos treinados a pensar que tirar de si para dar ao outro é um gesto nobre, digno de pessoas bondosas e evoluídas. É visto com bons olhos aquele que renuncia aos próprios interesses, desejos ou necessidades em favor de uma outra pessoa ou causa. A prática da abnegação é muito valorizada pelas religiões, assim como pela nossa sociedade, fazendo com que as pessoas se sintam bem tirando de si para proporcionar bem-estar ao outro. 

Deveríamos nos orgulhar de termos condutas justas e igualitárias, e não de nos colocarmos em segundo plano. Isso revela um sentimento de inferioridade. Mas por que isso é tão presente em nós? 

Vários são os fatores que contribuem para isso, a começar pela forma que fomos criados, que é a base para formamos o juízo de valor que temos a nosso respeito, ou seja, nossa autoestima. Quando os pais colocam um padrão muito alto a ser atingido e a criança não consegue êxito, isso gera uma sensação de fracasso que poderá ser registrada como incapacidade. Outra questão é quando se tem um ambiente familiar de comparação entre irmãos, deixando a impressão de que um é melhor que o outro; disputa dentro de casa; expectativa alta dos pais em relação aos filhos, gerando uma carga emocional para eles; pais que superprotegem seus filhos, impedindo  que eles se sintam seguros para agirem sozinhos; vida religiosa com premissas punitivas, fazendo com que a criança cresça sob o viés da culpa. Educação rígida, onde ceder para o outro é sinônimo de boas maneiras. Bullying, por ter alguma característica específica e isso acaba gerando algum tipo de preconceito ou exclusão. Pais que demonstram pouco afeto, fazendo com que a criança não tenha a sensação de ser amada e com isso desenvolva grande dificuldade de amar a si mesma e confiar no seu potencial. Como consequência disso, torna-se um adulto que se submete a condições abaixo do seu merecimento. 

Entretanto, independentemente do motivo, esse comportamento se desenvolve à espreita, despojando o afetado de lucidez, fazendo com que ele não perceba a condição de subserviência que ele se coloca em relação ao outro. Alguns exemplos podem ajudar a perceber melhor a questão:

- Conduta de priorizar as outras pessoas; 
- Se adaptar ao que o outro deseja;
- Prioriza o problema do outro em detrimento do seu. 
- Não se limita apenas a ajudar, acaba pegando o problema do outro para resolver;
- Assume responsabilidades além da sua capacidade e fica sobrecarregado;
- Se sente exausto, mas não para de oferecer ajuda e ou não se posiciona frente à demanda do outro. 
- Está sempre condicionado a agradar; 
- Resolve o problema de todo mundo, mas ninguém resolve os seus. 

O indivíduo só larga a capa de super-herói quando consegue se sentir merecedor de receber. Para isso é preciso uma autovalorização e prezar para manter relações justas e não unilaterais, onde um só se esforça para o outro ser privilegiado. 

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