Anderson Marques*
Nos últimos anos, nós, advogados, temos observado uma crescente preocupação em decorrência de um fenômeno alarmante no Brasil: a criminalização da advocacia criminal. Esse movimento tenta associar advogados criminais aos crimes de seus clientes, comprometendo não apenas a prática da advocacia, mas também ameaçando gravemente nosso Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais de todos os cidadãos.
A advocacia criminal é essencial para a justiça. Nós, advogados criminais, somos os guardiões do direito de defesa, um dos pilares do devido processo legal. Nosso trabalho é assegurar que mesmo aquelas pessoas acusadas dos crimes mais graves tenham acesso a uma defesa justa e equilibrada, que é fundamental para a integridade do sistema judicial. No entanto, a crescente hostilidade e desconfiança em relação a nossa profissão têm criado um ambiente de intimidação, represália e risco pessoal e profissional.
Recentemente, diversos são os casos de advogados sendo acusados de envolvimento nos crimes de seus clientes têm ganhado destaque na mídia. Essas acusações, muitas vezes infundadas e sensacionalistas, baseiam-se na premissa equivocada de que defender uma pessoa que cometeu um ilícito seria o mesmo que compactuar com seus atos. Esse raciocínio é falacioso e extremamente perigoso, pois ignora o princípio fundamental de que todos têm direito a uma defesa eficaz, independentemente das acusações que enfrentam.
A criminalização da advocacia, em especial a criminal, compromete não apenas os direitos dos advogados, mas também os direitos destas pessoas acusadas. Sem uma defesa técnica e destemida, o risco de condenações injustas e arbitrárias aumenta de forma considerável. Advogados que trabalham sob a sombra do medo e da suspeita são menos capazes, e, muitas das vezes limitados em exercer suas funções com a independência e o vigor necessários, prejudicando a busca pela verdade e pela justiça.
É crucial que a sociedade compreenda a diferença entre defender uma pessoa que está sendo acusada de algo do que ser cúmplice de suas ações. Nossa função é garantir que o processo seja justo, que os direitos dessa pessoa sejam respeitados, sendo que as provas sejam apresentadas e examinadas de maneira adequada. Neste papel, não existe aprovação ou apoio às ações criminosas, mas sim um compromisso inabalável com a justiça e os direitos humanos.
Nós temos o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994) que estabelece claramente as prerrogativas dos advogados, que são essenciais para a garantia de uma defesa e trabalho eficaz. O artigo 7º do referido Estatuto assegura ao advogado a inviolabilidade de seu local de trabalho, de seus instrumentos de trabalho e de suas comunicações. Estas prerrogativas não são privilégios de uma classe, mas garantias para o pleno exercício da advocacia e, consequentemente, para a proteção dos direitos de todas as pessoas.
Para reverter esse cenário atual, é necessário um esforço conjunto de todos os atores do sistema de justiça e da sociedade civil. A mídia, da qual tenho total respeito e admiração, desempenha um papel fundamental ao informar de maneira equilibrada e justa sobre o trabalho de nós, advogados, evitando sensacionalismos que podem distorcer a percepção pública. A academia, por sua vez, deve continuar a promover estudos e debates sobre a importância da advocacia criminal e os desafios que enfrentamos.
Podemos entender então que a advocacia, em especial, a criminal, é um pilar fundamental da justiça e da democracia. Criminalizá-la é um ataque direto ao direito de defesa e ao próprio Estado de Direito. É imperativo que advogados, juízes, promotores e toda a sociedade se unam para proteger a integridade da advocacia, garantindo que todos os cidadãos tenham acesso a uma defesa justa e eficaz. A justiça depende da coragem e da liberdade daqueles que a defendem, e esses valores não podem ser comprometidos. Assim como disse o saudoso Sobral Pinto: “a advocacia não é profissão de covardes".
*Advogado Criminal, Vice-Presidente da Abracrim/ MG e Professor Universitário