A criminalização da advocacia: um perigo ao Estado de Direito

Publicado em 06/07/2024 às 06:00.

Anderson Marques*  

Nos últimos anos, nós, advogados, temos observado uma crescente preocupação em  decorrência de um fenômeno alarmante no Brasil: a criminalização da advocacia criminal. Esse  movimento tenta associar advogados criminais aos crimes de seus clientes, comprometendo não  apenas a prática da advocacia, mas também ameaçando gravemente nosso Estado  Democrático de Direito e os direitos fundamentais de todos os cidadãos.  

A advocacia criminal é essencial para a justiça. Nós, advogados criminais, somos os guardiões do  direito de defesa, um dos pilares do devido processo legal. Nosso trabalho é assegurar que mesmo  aquelas pessoas acusadas dos crimes mais graves tenham acesso a uma defesa justa e  equilibrada, que é fundamental para a integridade do sistema judicial. No entanto, a crescente  hostilidade e desconfiança em relação a nossa profissão têm criado um ambiente de  intimidação, represália e risco pessoal e profissional.  

Recentemente, diversos são os casos de advogados sendo acusados de envolvimento nos crimes  de seus clientes têm ganhado destaque na mídia. Essas acusações, muitas vezes infundadas e  sensacionalistas, baseiam-se na premissa equivocada de que defender uma pessoa que cometeu  um ilícito seria o mesmo que compactuar com seus atos. Esse raciocínio é falacioso e  extremamente perigoso, pois ignora o princípio fundamental de que todos têm direito a uma  defesa eficaz, independentemente das acusações que enfrentam.  

A criminalização da advocacia, em especial a criminal, compromete não apenas os direitos dos  advogados, mas também os direitos destas pessoas acusadas. Sem uma defesa técnica e  destemida, o risco de condenações injustas e arbitrárias aumenta de forma considerável.  Advogados que trabalham sob a sombra do medo e da suspeita são menos capazes, e, muitas  das vezes limitados em exercer suas funções com a independência e o vigor necessários,  prejudicando a busca pela verdade e pela justiça.  

Além disso, a pressão sobre nós gera um efeito dominó no sistema de justiça. Promotores, juízes e  outros operadores do direito podem ser influenciados por um ambiente que demoniza a defesa,  resultando em um desequilíbrio processual que favorece a acusação. Este desequilíbrio prejudica  a imparcialidade do processo judicial, comprometendo a equidade e a justiça que são pilares de  qualquer sociedade democrática.  

É crucial que a sociedade compreenda a diferença entre defender uma pessoa que está sendo  acusada de algo do que ser cúmplice de suas ações. Nossa função é garantir que o processo  seja justo, que os direitos dessa pessoa sejam respeitados, sendo que as provas sejam  apresentadas e examinadas de maneira adequada. Neste papel, não existe aprovação ou apoio  às ações criminosas, mas sim um compromisso inabalável com a justiça e os direitos humanos.  

Nós temos o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994) que estabelece claramente as  prerrogativas dos advogados, que são essenciais para a garantia de uma defesa e trabalho  eficaz. O artigo 7º do referido Estatuto assegura ao advogado a inviolabilidade de seu local de  trabalho, de seus instrumentos de trabalho e de suas comunicações. Estas prerrogativas não são  privilégios de uma classe, mas garantias para o pleno exercício da advocacia e,  consequentemente, para a proteção dos direitos de todas as pessoas.  

Para reverter esse cenário atual, é necessário um esforço conjunto de todos os atores do sistema  de justiça e da sociedade civil. A mídia, da qual tenho total respeito e admiração, desempenha  um papel fundamental ao informar de maneira equilibrada e justa sobre o trabalho de nós,  advogados, evitando sensacionalismos que podem distorcer a percepção pública. A academia,  por sua vez, deve continuar a promover estudos e debates sobre a importância da advocacia  criminal e os desafios que enfrentamos.  

A criminalização da advocacia, em especial a criminal, é um sintoma de um problema maior: a  dificuldade em aceitar que a justiça deve ser acessível a todos, independentemente da  gravidade das acusações. O combate a essa prática requer um compromisso firme com os  princípios democráticos e os direitos fundamentais. Somente assim podemos garantir um sistema de justiça que seja realmente justo e equitativo, onde qualquer advogado possa exercer sua  profissão sem medo de represálias e onde o direito de defesa seja plenamente respeitado.  

Podemos entender então que a advocacia, em especial, a criminal, é um pilar fundamental da  justiça e da democracia. Criminalizá-la é um ataque direto ao direito de defesa e ao próprio  Estado de Direito. É imperativo que advogados, juízes, promotores e toda a sociedade se unam  para proteger a integridade da advocacia, garantindo que todos os cidadãos tenham acesso a  uma defesa justa e eficaz. A justiça depende da coragem e da liberdade daqueles que a  defendem, e esses valores não podem ser comprometidos. Assim como disse o saudoso Sobral  Pinto: “a advocacia não é profissão de covardes".  

*Advogado Criminal, Vice-Presidente da Abracrim/ MG e Professor Universitário

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