Cristiane Helena de Paula Lima Cabral*
O Brasil é um país de proporção continental, possui estados com extensão territorial maior do que muitos países do continente europeu, porém, apenas a título de exemplificação, temos 9,3 milhões de analfabetos, segundo dados do IBGE divulgados em 2023, uma taxa de 4,4% da população vive em condições de extrema pobreza (informações divulgadas pelo IJSN em 2023) e com 47,6% de pessoas sem acesso à água tratada e sem coleta de esgotos, conforme o ranking do saneamento básico em 2019.
Todavia, como se não bastassem os problemas listados acima, mas todos os demais que assolam a população brasileira, recentemente o Senado Federal retomou a discussão acerca da possibilidade de destinação de uma faixa das praias brasileiras à iniciativa privada, o que acabou sendo popularmente denominado de “privatização das praias”.
Trata-se de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), aprovada em 2022, na Câmara dos Deputados, e que pretende transferir os chamados terrenos de marinha para os Estados, Municípios, de forma gratuita, ou ocupantes particulares, mediante pagamento. Cabe apenas uma ressalva de que, apesar do nome, os referidos locais não são da Marinha do Brasil, uma das forças armadas brasileiras.
Atualmente, a legislação vigente, o Decreto-lei nº 9.760, de 1946, dispõe que os referidos terrenos são bens da União, e, apesar da posse dos ocupantes nesses locais, inclusive nas praias, eles não podem ser fechados, permitindo o acesso ao mar por qualquer indivíduo.
Além disso, os moradores pagam à União uma taxa sobre o valor do terreno e a propriedade do imóvel é compartilhada na proporção de 83% do terreno para o cidadão e 17% para a União.
A proposta, caso aprovada, conforme disposto acima, irá retirar o controle da referida faixa da União e passará, exclusivamente, ao particular. Os defensores dizem que não há qualquer indicativo de possibilidade de privatização, justificando o fato de que poderá haver um aumento da arrecadação pelo Governo e, ainda, a geração de empregos.
Os contrários aduzem que poderá ocorrer uma ocupação desorganizada da orla das praias, além da criação de espaços privados e também possibilidade de provocar problemas ambientais na biodiversidade do local. Tudo isso em tempos de mudanças climáticas.
O certo é que, com tantos problemas sociais e necessidade de implementação de políticas públicas efetivas, além de questões ambientais que não podem ser deixadas de lado, o Congresso Nacional se ocupa, mais uma vez, com pautas desnecessárias e que, caso a PEC seja aprovada, possibilitarão a criação de taxas para se adentrar às praias e também colocarão em risco a sobrevivência de povos e comunidades tradicionais.
Sabemos que há interesses por trás dessa proposta, no entanto as discussões no âmbito do Poder Legislativo devem ser no sentido de possibilitar um avanço econômico, social e ambiental para o nosso país. Já passou da hora dos parlamentares agirem em prol do brasileiro e não apenas por benefício próprio.
* Mestre e Doutora em Direito Público Internacional. Professora do curso de Direito nas Faculdades Kennedy e Promove. E-mail para contato: crishelenalima@gmail.com