Quando o público não é só seu

Publicado em 13/06/2024 às 06:00.

Cristiane Helena de Paula Lima Cabral *

A República no Brasil foi proclamada em 1889, em 15 de novembro, por por Marechal Deodoro da Fonseca, pondo fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império e destituindo D. Pedro II. Não podemos deixar de mencionar que o referido movimento não teve a participação popular e não se pensava, num primeiro momento, em sanar as desigualdades sociais existentes no estado brasileiro.

A ideia era trazer estabilidade política no Brasil e permitir a transição de um estado unitário (aquele governado apenas por uma única entidade) para um estado federado (aliança política de entidade autônomas onde cada uma detém competência) capitaneado pelas revoluções internas e pelos preceitos da Revolução Americana e Francesa, além de implantar também o sistema de governo presidencialista

Parecia ali a solução imediata para os problemas brasileiros e a constituição de um novo Estado. Importante citar que, após a proclamação, o nosso país teve cinco repúblicas: Primeira República ou República Velha (1889-1930), Era Vargas ou Segunda República (1930-1945), República Nova ou Terceira República (1945-1964), Ditadura Militar (1964-1985) e Nova República e redemocratização (1985-até os dias atuais).

Acompanhada a essas mudanças, também tivemos a evolução da Gestão Pública do Estado, que passou por um modelo patrimonialista, onde não se distinguia o público do privado até chegar no modelo gerencial que, através da eficiência e qualidade, procura focar a gestão do Estado em resultados (não que isso seja, efetivamente, aplicado).

No entanto, não podemos deixar de mencionar o fato de que a Proclamação da República não aboliu, por completo, os privilégios até então existentes na monarquia. Com isso, contrariando a ideia de res publica (coisa pública), a nossa República foi estabelecida com o propósito de se garantir os interesses e regalias de todos os grupos que passaram no poder.

E com isso, vem aquela imagem de que: “o público é meu, e dele eu posso usufruir à vontade”, “eu cuido, então só eu posso usar” ou, como dizia Ademar de Barros, prefeito e governador de São Paulo entre 1938 e 1966: “rouba, mas faz”.

Ou ainda, os casos em que servidores públicos utilizam-se de veículos oficiais para suprir as suas necessidades privadas (sem falar das viagens particulares pagas com dinheiro público), as impressões em repartições públicas de textos e trabalhos da sua família, dentre tantos exemplos que poderíamos citar aqui.

Ora, ao fazer uso desses tipos de situações não se está efetivando os princípios da res publica; está apenas tomando para si algo que é de todos e agindo em benefício próprio. 

Na verdade, os indivíduos estão indo em contramão a todas as diretrizes da República, e isso apenas escancara como no Brasil ainda persiste a troca de favores e privilégios, conluio de interesses e desejos de se subverter a ordem democrática.

Verifica-se que a República foi construída com uma grande confusão entre a limitação do espaço público e privado, bem como as funções públicas e privadas, não se definindo, de forma clara, esses limites.

É preciso proclamarmos efetivamente a República brasileira e abolirmos de vez toda a raiz histórica dos tempos coloniais que ainda persistem em nosso Estado.

* Doutora em Direito Público Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora do Curso de Direito das Faculdades Kennedy

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