Nelson Luiz Garcia*
Em um mundo onde as mudanças são constantes e as normas se adaptam de forma veloz às novas realidades, as relações de trabalho assumem um caráter fluido e dinâmico. Nesse contexto, as empresas, em regra, têm enfrentado um desafio crucial: garantir a conformidade com a legislação trabalhista em suas múltiplas e minuciosas interpretações sem perder produtividade e competitividade.
Inicialmente, vale a pena voltar um pouco à origem do atual sistema jurídico e de toda a fiscalização trabalhista.
Com a transição do Estado Liberal para o Estado Social, o papel governamental se expandiu para garantir um equilíbrio mais justo nas relações entre capital e trabalho. Anteriormente, o Estado Liberal pouco interferia nessas discussões, muitas vezes resultando em condições precárias e degradantes para os trabalhadores. No entanto, com o advento do Estado Social, a legislação passou a desempenhar um papel ativo na regulação dessas relações, absorvendo o Direito como uma ferramenta para promover a Justiça Social.
Essa mudança representa uma transição do Estado de Polícia, onde o foco era na aplicação da lei de forma coercitiva, para um Estado de Direito, onde o direito é incorporado e utilizado pelo Estado para garantir a proteção individual e coletiva dos cidadãos. Essa transição foi crucial para garantir uma sociedade mais justa e equitativa, onde o capital e o trabalho são vistos como partes essenciais e igualmente importantes do sistema econômico e social.
Além dos prejuízos financeiros, há também os danos emocionais e reputacionais. Lidar com litígios trabalhistas pode desgastar a imagem da empresa perante clientes e investidores, afetando sua credibilidade e capacidade de crescimento.
Portanto, como enfrentar essa dualidade entre a proteção do trabalhador e a proteção do mercado e do capital. De fato, enquanto fundamental a garantia dos direitos e do bem-estar dos colaboradores, as empresas também enfrentam as pressões para manter a competitividade e a sustentabilidade financeira. Equilibrar esses interesses é um desafio delicado, exigindo uma abordagem estratégica e compassiva, solidária. Ou seja, surge um desafio adicional : seria possível cumprir a lei como uma estratégia empresarial?
De fato, nunca antes na nossa legislação trabalhista tivemos tanta oportunidade para flexibilizar e negociar com os trabalhadores e seus representantes. Essa oportunidade precisa ser muito bem utilizada, como uma maneira de evitar excessos de rigores meramente burocráticos e buscar ações conjuntas que tragam resultados reais para a vida do trabalhador e para a atividade econômica.
Não é fácil, e deve ser alvo de uma construção permanente. Por exemplo, se a empresa valoriza a saúde, é importante que seus empregados tenham uma atenção especial para a saúde, criando e demonstrando coerência e aumentando a empatia entre a empresa e seus clientes. Essa correlação entre os valores da empresa e seus empregados, pode transparecer em atitudes simples, como o uso de uniformes sempre muito limpos, a seriedade como é tratada a temática dos equipamentos de proteção (sempre novos e higienizados), ginástica laboral, além do incentivo à melhoria das atividades voltadas para a saúde preventiva, tanto física como mental.
O mais importante é despertar a busca por essa coerência entre a atividade exercida pela empresa e a maneira pela qual os valores pessoais de seus proprietários e gestores podem ser vistos através de cada trabalhador que compõe a organização empresarial.
E frise-se : nada disso precisa, necessariamente, identificar um aumento de custos. Ao contrário, o que se propõe é uma “reorganização” da organização empresária, com foco na melhoria da coerência entre valores (não econômicos) e atitudes (de seus integrantes).
Conclusão
Em um cenário empresarial marcado pela liquidez e volatilidade das relações, é essencial reconhecer a importância de equilibrar os interesses entre a proteção do trabalhador e as demandas do mercado e do capital. Esta dualidade reflete uma sociedade em constante transformação, onde a transição do Estado de Polícia para o Estado Liberal representa um marco na busca pela justiça social e pela proteção dos direitos individuais e coletivos.
A flexibilização e a oportunidade de negociar direitos emergem como ferramentas valiosas para promover os valores humanos das empresas e garantir um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo. Ao dar maior atenção aos valores da empresa, como a saúde e o bem-estar dos colaboradores, podemos fortalecer não apenas as relações internas, mas também a reputação e a imagem da empresa perante seus clientes e stakeholders.
Para efetivamente implementar essas práticas e lidar com os desafios em constante evolução do ambiente empresarial, é fundamental contar com uma consultoria preventiva viva e atuante. Uma assessoria jurídica especializada deve estar no horizonte para orientar as empresas na interpretação e aplicação das leis trabalhistas, além de auxiliar na identificação e promoção dos valores corporativos, contribuindo assim para um ambiente de trabalho mais saudável, produtivo e ético.
Enfim, ao reconhecer a natureza líquida e volátil das relações empresariais, ao compreender a evolução do Estado de Polícia para o Estado Liberal, ao valorizar a flexibilização e a negociação de direitos em prol dos valores da empresa e ao investir em uma consultoria preventiva eficaz, as empresas podem construir um futuro mais promissor, tanto para seus colaboradores quanto para o sucesso sustentável de seus negócios.
* Professor de Direito do Trabalho das Faculdades Kennedy Promove, mestre, advogado, especialista em Direito do Trabalho