Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

A alegre esperança

Publicado em 30/12/2022 às 06:00.

Eu cheguei para a ação daquele dia em cima da hora. O músico que convidamos para tocar já estava lá dentro, tinha montado seus instrumentos e começado a apresentação. Os assistidos do Instituto Casa do Caminho já estavam sentados de frente para o Toninho Moreira, que cantava músicas brasileiras com bastante leveza e tranquilidade.

Eram cerca de 12 pessoas que estavam em Belo Horizonte para algum tipo de tratamento de saúde e, diante disto, sem terem onde ficar na capital, têm na Casa do Caminho não apenas um acolhimento provisório, mas a criação de vínculos entre pessoas que estão em busca de alguns objetivos comuns.

Na bagagem trazem muita esperança.

No início da nossa atividade, todos ficam mais quietinhos, ouvindo, cantando baixinho, até que o Toninho resolveu perguntar o nome de cada um deles e deixar livre para que pedissem a música ou o cantor de sua preferência. Teve Roberto Carlos, Zé Ramalho e até Amado Batista.

O dia já trazia algumas lembranças sensíveis em muitos dos participantes, ainda mais por terem que passar aquela data longe da família. Era o dia 24 de dezembro, véspera de Natal, mas a necessidade de continuidade do tratamento, sem alta médica, fez com que aquelas pessoas ficassem distantes da sua cidade, ou até mesmo do estado de origem.

Reunidos no refeitório sentíamos o cheirinho da comida invadindo o espaço e ríamos da Lu toda animada, que cozinhava e dançava ao som do nosso músico voluntário. Pouco a pouco as pessoas foram se soltando, perdendo a “timidez” daquele primeiro encontro e se deixando levar pela sonoridade e energia do evento.

Na mesa da frente as duas únicas crianças ouviam as músicas batucando com as mãozinhas, acompanhando o ritmo. Ao lado deles, o pai.

Quando a gente chega para uma ação dessa, pelo Tio Flávio Cultural, um movimento voluntário que existe há 12 anos e atua em diversas áreas sociais, não costumamos falar da doença ou procurar saber quem é, entre os presentes, o paciente ou o acompanhante. Estamos ali para, com leveza e respeito, doarmos seja um pouco do nosso talento e/ou do tempo.

Como tínhamos levado uma caixa de bombons para cada pessoa, resolvemos fazer um amigo oculto. A Emanuely, responsável por aquele plantão, preparou as fichinhas com os nomes e fomos para o sorteio. Cada um pegava um papelzinho e ficava em sigilo. Na hora das apresentações, algumas características identificavam o amigo que receberia o presente.

As duas crianças, de 6 e 12 anos, estavam sentadas ao lado do pai. Um dos últimos a falar foi o menino maiorzinho, que anunciou assim: “meu amigo oculto é uma pessoa que cuida de mim e mora na minha casa”. Era o pai, que estava ao lado.

Abraços e presentes trocados, voltamos para mais músicas.

As crianças brincavam com um spinner e eu fui lá para a mesa delas aprender como manejar aquele negócio. Disputei qual brinquedinho pararia primeiro, contando com a ajuda do menor, que na distração do irmão, me ajudou a ganhar a brincadeira.

Ao nos despedirmos, o pai dos meninos veio do quarto com um saquinho com motivos natalinos, um lacinho fechando aquele presente e lá dentro um spinner prata e dourado, dedicado a mim. “Vi que você gostou do brinquedinho, vou dar um para você”.

Ali ficamos conversando um pouco e ele puxa o seu celular e mostra a foto da filhinha, de três anos de idade, que estava naquele dia, véspera de Natal, no hospital em tratamento à base da quimioterapia. A foto no celular era de uma criancinha pequena, carequinha, com uma sonda no nariz. Agarrado ao pai estava o menininho de 6 anos, nos olhos daquele jovem do Vale do Jequitinhonha havia uma esperança alegre.

Prometi voltar no dia seguinte para levar uns presentinhos que uma voluntária havia deixado para destinar a crianças de abrigos. Separei dois “beyblades”, já que os meninos haviam falado que não tinham e que improvisavam com tampinha de detergente, se é que eu entendi direito.

Saí de lá grato pela manhã, mas ainda mais feliz pela sensibilidade da equipe da Casa do Caminho em deixar que toda a família estivesse junta. Uma instituição que sobrevive basicamente do que vende em seu próprio bazar, mas que é humana, que busca dar dignidade às pessoas que dela precisam.

Um dia antes de escrever este texto, recebi uma mensagem da Shirley, diretora da instituição, falando sobre a menininha que estava internada na companhia da mãe. Ela já estava de volta à Casa do Caminho, liberada do hospital e, pelo que tudo indica, passará a entrada de um novo ano ao lado dos dois irmãos, do pai e da mãe.

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