Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

A mãe que espera pelo mês de maio

Publicado em 26/05/2023 às 06:00.

Um evento que serve para impactar as pessoas, mas que sensibiliza e informa ao mesmo tempo. Este foi o convite que recebi para participar do meu segundo TED (ciclo de palestras rápidas), desta vez pela PUC Minas.

Da primeira vez que fiz uma apresentação como esta, falei de ressignificação, num dos auditórios da Universidade Federal de Viçosa. Agora eu falaria sobre sonhos e sentido da vida.

Para me preparar com algo que fosse inusitado, resolvi fazer uma série de pesquisas informais com pessoas de diferentes grupos vulneráveis. A pergunta que eu fazia era a seguinte: “Explique-me o que te motiva a viver, desconsiderando a resposta Deus”.

No fundo, todas as respostas apontavam para a esperança.

Um adolescente em um abrigo, que havia sofrido abusos psicológicos na infância, foi também abusado sexualmente por alguém da família. O sonho dele era sair do abrigo, trabalhar, constituir uma família e mostrar para aqueles que um dia cometeram diversas injustiças contra ele e seus irmãos, que ele é capaz de recomeçar. Recomeçar, apesar de tantas dores e feridas abertas.

Um rapaz de quarenta e cinco anos, com uma pena privativa de liberdade que era o dobro da sua idade, sonhava em conseguir sobreviver para ainda poder assumir a sua família. Ele sabe que não vai reparar os erros cometidos, mas quer fazer algo por alguém e, para isso, cumpre a sua pena e espera o dia da liberdade.

Um senhor, que morava nas ruas de Belo Horizonte, até ser assistido por uma república, onde ele dormia, tinha seu quarto e seus poucos pertences. Ele formou-se pela Unicamp em Engenharia Agrônoma, trabalhou por cerca de 20 anos numa grande multinacional, mas foi a perda da esposa que o impulsionou para a bebida. Ele não aguentou aquela dor. E foi a bebida que o levou para as ruas. À época da entrevista ele sonhava em ficar sóbrio, cuidar do alcoolismo que admitia ser uma doença e ver a neta se formar na faculdade. Quando eu perguntei se ela estava quase completando o curso superior, ele riu e disse que ela tinha 3 anos – ou seis, não me lembro bem. Eu ri com ele e disse que ia demorar um pouquinho, no que ele, diante da câmera que filmava estava cena, responde: hoje eu já não tenho pressa.

Lembro muito de uma pesquisa realizada em Harvard, pelo professor Josiah Royce, na década de 1900, em que ele ouvia pacientes idosos sobre o que os motivava a viver e as respostas sempre estavam ligadas a algo que ia além deles próprios: um animal para cuidar, a família, um projeto de vida a realizar ou o engajamento em uma causa social. Mas, todas as respostas pensavam “além do próprio umbigo”.

Ao chegar numa instituição de longa permanência para idosos, fui sentando-me para conversar com algumas daquelas senhoras que ali vivem. A conversa acabaria chegando aonde eu precisava: o sentido da vida.

Com todo o cuidado, pergunta feita, uma das idosas me responde: “Meu sonho de todo ano é que chegue rápido o mês de maio”. Eu ainda fiquei na dúvida daquela resposta, pois poderia ser o aniversário dela ou uma data comemorativa importante.  Então eu perguntei por que maio, o que tem nesse mês que o faz tão aguardado, no que ela responde: “é o mês das mães”.

Como eu poderia ter me esquecido disso? Sorri para aquela senhora e brinquei: a senhora quer é ganhar presentes, né?, no que ela, amável e sensivelmente responde: “Sim, a visita dos meus filhos, ao menos nesse dia”.

Não queria dar a ela respostas vazias ou falsas esperanças, pois não conhecia nada da sua história. Então, eu não falaria: “eles vão aparecer” ou “fique tranquila que este é um dia importante para eles também”. Eu não sei se eles iriam ou se aquela data era significativa para todos da família.

Conversei mais um pouco com ela e fui sentar-me ao lado das outras, tentando me entregar por inteiro, mas tendo deixado a minha consciência amarrada àquela senhora da poltrona de trás.

Incomodado, fiz algo que não costumo fazer de forma alguma. Fui conversar com as enfermeiras, tentando entender se os filhos daquela senhora a visitavam frequentemente e a resposta de uma delas foi que em 4 anos trabalhando ali, nenhum deles apareceu. Quando a instituição liga para falar com o filho, que é contato com aquele lar, ele sempre muito educado explica que está apertado, com desafios profissionais novos, viajando, mas que vai fazer um esforço para ir lá, só não garante que seja em maio. Quem somo nós para julgar alguma coisa, mas dá muita dor ver uma idosa esperar todos os anos por uma visita que nunca vem.

Quando a gente chega para uma ação voluntária num lar de idosos, sempre ouvimos: “Vocês sumiram”. E quando vamos embora, vem a fala sentida: “Já estão indo? Mas vocês acabaram de chegar, fica mais um pouquinho”.

Enquanto estamos saindo, elas trazem para junto de si aquela boneca de plástico ou bichinho de pelúcia, suas companhias mais fiéis.

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