A solidão cresce à sombra porque, assim como a morte, é um assunto proibido. Ela revela uma falência humana imensa, ainda mais nos tempos atuais, em que a vida acelerada nos distancia de quem está próximo, até mesmo sob o mesmo teto. Estamos lado a lado, mas longe uns dos outros. As redes sociais, o volume de trabalho, a ansiedade crescente, que se tornou um dos grandes males do século, contribui para que nossas relações se tornem cada vez mais fragmentadas e superficiais.
No Japão, esse distanciamento tem produzido um fenômeno peculiar. Em 2019, antes da pandemia, portanto, o portal de notícias da BBC publicou uma matéria sobre o aumento dos crimes cometidos no país por pessoas com mais de 65 anos. A revista Bloomberg também apontou um dado alarmante: cerca de 20% da população carcerária japonesa é composta por idosas, a maioria condenadas por pequenos furtos em lojas. O mais surpreendente é que muitas dessas mulheres cometem delitos deliberadamente com o único objetivo de serem presas, buscando na prisão um refúgio para a solidão e, em alguns casos, melhores condições de vida do que teriam em liberdade. A ideia é que o cuidado dispensado aos encarcerados, somado à companhia de outras detentas, seria um atrativo para quem vive sem ninguém.
As estatísticas mostram que, em 2010, um em cada quatro japoneses presos por furto tinha mais de 65 anos. Em 1986, esse número era de apenas um em cada vinte. Essa mudança drástica é reflexo do envelhecimento da população japonesa e das transformações sociais que enfraqueceram os laços familiares. No passado, os filhos cuidavam dos pais idosos, mas a busca por oportunidades econômicas levou muitos jovens a se mudarem para centros urbanos, deixando os mais velhos sem sua companhia.
No Brasil, embora a cultura e os contextos sejam diferentes, a solidão também tem sido um problema crescente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 300 milhões de pessoas no mundo sofram de depressão. No cenário nacional, a fragmentação das relações interpessoais é evidente, impulsionada pelo uso excessivo das redes sociais e pela falta de vínculos afetivos duradouros. O sociólogo Glauco Arbix, professor titular do Departamento de Sociologia da USP, em entrevista à Folha de São Paulo, analisa que "não encontramos mais nas pessoas relações que nos satisfazem. A nossa sociedade não dá conforto para ninguém, e vivemos em tensão permanente". Nesse contexto, alguns brasileiros têm buscado alternativas inesperadas para combater a solidão, como a interação com assistentes virtuais baseados em inteligência artificial.
Mas ainda há quem busque alternativas que preservem as conversas tradicionais. Minha mãe, por exemplo, tem 89 anos e é bastante ativa. Ela tem um pequeno grupo de amigas com quem fala todos os dias por chamadas de vídeo ou ligações telefônicas. Ao entardecer, ela se senta em uma poltrona, coloca o celular no viva-voz para facilitar a audição e começa a atualizar os assuntos. Novas amizades foram adicionadas ao grupo quando ela começou a frequentar, diariamente, aulas numa clínica de fisioterapia.
Para os estudiosos do Alzheimer e de outros tipos de demência, o termo "Síndrome do Entardecer" já é conhecido. Geralmente por volta das 17h, idosos com demência apresentam agitação, irritabilidade, mudanças de humor, alucinações ou delírios, aumento da confusão mental, desorientação, medos e receios. No entanto, relatos de pessoas que moram sozinhas apontam que a penumbra que chega com o pôr do sol também pode trazer angústia, mesmo que a pessoa não tenha um diagnóstico de uma condição neurológica.
Ela sempre amou a liberdade e acha que, se perder isso, perde o seu sentido de viver: “Se eu perder a autonomia, tenho medo de querer deixar de viver”.
Simpática, ela mesma puxa conversa. Cabelos bem grisalhos e sorriso bem leve, diz que ainda lê bastante, pois tem uma “vista privilegiada”. Gosta de celular para ver vídeos e de televisão para dormir.
Disse que se sente sozinha de vez em quando, mesmo os filhos ligando quase todos os dias. Perguntei se ela tinha algum animal doméstico e ela respondeu: “Não, não tenho. Amo animais, mas não para prendê-los em casa. E eu gosto mesmo é de interagir com gente”.
A solidão, muitas vezes invisível, cresce na sombra das grandes cidades e no coração de quem já viveu muito e, paradoxalmente, tem cada vez menos com quem compartilhar suas memórias. Se no Japão algumas idosas vêm no crime uma forma de ter companhia, no Brasil, outros buscam refúgio na tecnologia ou em interações casuais no transporte público. No fim das contas, a necessidade é a mesma: sermos vistos, ouvidos, amados e acolhidos.