Quando alguém pergunta a outra pessoa se ela é solitária, a resposta, muitas vezes, vem carregada de raiva, pois ninguém quer ser percebido como alguém esquecido pelas suas relações. A economista Noreena Hertz escreveu um livro intitulado O Século da Solidão, no qual descreve diversos casos e situações em que as pessoas recorrem à contratação de um "amigo" para ir ao cinema, a uma cafeteria ou, até mesmo, discutir um livro.
Há empresas especializadas nesse público, como a Rent-a-Friend, que oferece a possibilidade de passar 50 minutos com um "amigo de aluguel", por exemplo. Da mesma forma, idosas japonesas chegam a cometer pequenos delitos para serem cuidadas e acompanhadas dentro das prisões.
A especialista Helen Stokes-Lampard, do Royal College of General Practitioners, disse, em uma conferência em 2017, que "o isolamento social e a solidão são semelhantes a uma doença crônica de longo prazo no que diz respeito ao impacto que têm sobre a saúde e o bem-estar dos nossos pacientes".
A solidão tem muitas faces. Ela pode ser uma escolha — a que costumamos chamar de solitude — ou consequência, das escolhas conscientes ou não. Pode se disfarçar de rotina ou se revelar no silêncio.
"Estou sozinha a maior parte do tempo. Fins de semana, particularmente. Por opção antiga. E hoje essa opção virou consequência". Durante anos, sua vida profissional foi também sua vida social: estar em três emissoras, entrevistando tantas pessoas, era seu movimento, sua forma de interagir. Mas tudo tinha um começo e um fim. Era uma entrevista, os agradecimentos e o encerramento.
Quando o trabalho diminuiu, restou o espaço vazio, sem memórias frescas do dia, sem convites para um jantar. "Eu construí isso, foram escolhas. Então, sou responsável por essa solidão", diz, reconhecendo o peso das decisões que, por tanto tempo, pareceram naturais e sem desdobramentos alarmantes.
E isso me fez pensar — e muito. O cansaço de um trabalho que envolve muita gente, o dia todo, faz com que professores, jornalistas, advogados e uma infinidade de outros profissionais sigam o mesmo caminho de Marília: optam pelo descanso, mas, sem perceber, fragilizam sua rede de convívio social. E quando finalmente se assustam com isso, percebem que cada um de nós está vivendo as suas escolhas pretéritas.
Em uma entrevista antiga no programa Sem Censura, da TV Cultura, em 2011, Milton Cunha perguntou a Ney Matogrosso:
— Qual o preço que se paga por ser um transgressor? A solidão é um dos preços?
Ao que o cantor respondeu enfaticamente:
— Não. Não. Não. A solidão, não. Você fala isso porque me vê sozinho em casa? Olha, tem gente que deve me achar um horror, né? E tem gente que me admira muito por isso. Agora, eu não tô nem aí para quem acha que é errado, que é um horror, porque eu não estou preocupado com isso. A vida é minha, só compete a mim. Na hora que ela acabar, acabou a minha vida. Eu não tenho que viver caminhando sobre trilhos predeterminados por ninguém. Se eu não tiver liberdade para experimentar, então o que é que eu estou fazendo aqui?
E então, o que resta fazer? Como lidar com essa nova realidade, que para alguns chega como uma imposição cruel e, para outros, como uma percepção tardia?
Talvez a resposta esteja na terapia, na análise, no olhar para dentro. Dercy Gonçalves, irreverente como sempre, falou disso em uma antiga entrevista com Jô Soares. Ela, que atravessou décadas no palco e fora dele, conhecia bem as dores da solidão e da tristeza.
"Eu já tive tudo isso e, quando ela vem, porque ela vem, então eu entro nela, deixo ela ficar um pouquinho e mando ela embora."
"Eu começo a gritar. Grito dentro de casa para eu acordar, porque estou me deixando ir. É uma espécie de espírito que te tira da sua verdade, da sua bondade, e entra na maldade. Parece algo assim. Mas não é. Isso tudo é o cérebro, que ninguém cuida. Cuida do dedo do pé, do cabelo, mas por dentro ninguém cuida."
A solidão pode ser inevitável em alguns momentos da vida, mas a forma como lidamos com ela pode mudar tudo. Se for escolha, devemos ter a consciência das consequências. Se for consequência, que não seja irreversível. Há sempre espaço para reconstrução, desde que estejamos dispostos e despertos.