O filósofo Lúcio Anneo Sêneca (4 a.C) escreveu diversas cartas para vários destinatários, dentre eles Paulino, cuja identidade é controversa, mas que muitos acreditam ter sido um dos seus amigos. O livro “Sobre a brevidade da vida” traz algumas dessas cartas, em que o autor discorre sobre o sentido que a vida tem, nos fazendo refletir sobre o tempo e destino que damos a ele.
Reclamamos que o tempo passa rápido, que não conseguimos fazer mais nada durante um dia e que, ao assustarmos, não se foi apenas a semana, como os meses e, evidentemente, parte da nossa vida. Que o tempo passa não há dúvidas, mas o alerta que o Sêneca faz é que a vida não é breve, nós é que esbanjamos o tempo que a Natureza nos deu.
Segundo o filósofo, “não temos exatamente uma vida curta, mas desperdiçamos uma grande parte dela. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa e nos foi dada com muita generosidade para a realização de importantes tarefas. Ao contrário, se desperdiçada no luxo e na indiferença, se nenhuma obra é concretizada, se não se respeita nenhum valor, não realizamos aquilo que deveríamos realizar, sentimos que ela realmente se esvai”.
Família, trabalho, viver em comunidade, conquistar propriedades, estudar e ter títulos, ser reconhecido, possuir coisas e saber o que fazer com tudo isso, não só “usando” da melhor forma, mas nos dedicando a cada uma delas com o tempo e a profundidade que lhes é devido, ainda é para muitos de nós grande tormenta.
O pedagogo Rubem Alves escreveu que não vamos ter tempo para fazer todas as viagens que queremos, nem ler todos os livros, abraçar todas as pessoas e ouvir todas as músicas. É preciso descobrir o que para nós é essencial.
E o que seria, para você, esse essencial? Como não sei a sua resposta, queria trazer algo que é parte da minha vida e das minhas descobertas: o voluntariado. Como em algumas culturas, em que a religião não se resume apenas à hora de ir a um templo, esquecendo-a pelo resto do dia, o voluntariado também não é só o momento de uma ação social, mas é como entendemos a nossa própria vida.
Lendo um livro sobre voluntariado, escrito pela pesquisadora Márcia Pereira Cunha, que faz um resgate histórico sobre o terceiro setor, ONGs, sociedade civil, há uma parte que retrata como, na década de 90, as empresas se apropriaram de alguns conceitos e deram origem a discursos contendo termos como “cidadania empresarial” e “responsabilidade social corporativa”. À época, a justificativa era que o voluntariado empresarial contribuiria para melhorias na qualidade de vida das comunidades, ajudaria a atrair e reter funcionários qualificados, já que desenvolve habilidades pessoais e profissionais, além de fortalecer a marca e a reputação das empresas.
De lá para cá algumas coisas já mudaram nesse conceito, inclusive o papel das organizações sociais. Eu acredito que ainda vivenciaremos uma mudança significativa em relação ao voluntariado, não só num contexto empresarial, mas pessoal antes de tudo. Não estamos mais cabendo em nós mesmos, carregamos uma angústia muitas vezes injustificada, uma perseguição doentia criada pela nossa própria mente, o que nos cega para um sentido mais amplo da vida, nos tornando tarefeiros do dia a dia, medrosos pelo assombro da perda de prestígio, emprego, status, coisas e pessoas.
A partir do momento em que conseguimos focar o que realmente nos é essencial, os nossos valores adquirem novas colorações, novas nuances. E aí entra o coletivo, quando buscaremos pessoas que têm pensamentos semelhantes aos nossos para construirmos, desenvolvermos um sentido de comunidade.
Nesse momento, o voluntariado deixa de ser uma obrigação social ou empresarial, remissão de culpas, exibicionismo ou sedativo para nossas angústias e passa a configurar como aprendizado e crescimento, dando significado ao tempo que é breve, mas não inútil.
“É preciso definir o que queremos e perseverar nisso”, disse Sêneca em carta para Lucílio, seu pupilo, completando: “encontramos a felicidade dentro de nós, não no que nos é exterior e passageiro”.