Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Amem as suas famílias

09/09/2021 às 17:01.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:50

Quando eu entrei naquele lar de idosos, ela estava ali, sentadinha, com sorriso farto. Sem muita mobilidade, tinha um lençol que a segurava na cadeira de rodas para que não tombasse. Nos braços, um bichinho de pelúcia, a quem ela dedicava atenção e carinho.

São tantas idosas e todas querendo um pouco da atenção daquele grupo visitante. Íamos conversar com todas, pararíamos em cada leito, em cada cadeira, em cada sofá, mesmo que um pouco, para conversar assuntos leves, puxar histórias gostosas e aprender com cada uma que ali vivia.

Mas aquela senhora de sorriso farto me acompanhava com os olhos. Uma das senhoras segurava a minha mão e falava que tinha um neto igualzinho a mim. Explicava que ele gostava demais dela, mas que não visitava porque era um homem ocupado. Numa troca de conversas, pedi licença para que eu pudesse ir até àquela senhora que me fisgou com o olhar.

Toda vez que a gente chega para uma visita, pela primeira vez, é a mesma ansiedade: como elas vão reagir? Será que estamos invadindo demais o espaço delas? O que conversar? E se elas não falarem nada, será que eu já puxo o assunto do clima: tá quente hoje né? Será que vai chover?

O professor Carlos Parente disse certa vez em sua aula: “bom senso não é senso comum”. Por isso é importante, sim, estar atento a algumas coisas, mas leve na abordagem, na fala, no olhar, na escuta. Escuta, isso é o que a gente tem que oferecer. Estar ali e ouvir de verdade, já que a atenção se tornou tão rara. 

Sento-me ao lado daquela senhora, com aquela mão tão rugosa, os olhos caídos, mas vivos, me convidando para a conversa. Eu nem precisei falar do clima, foi ela quem puxou o assunto: “você sabe que eu também tenho sonhos, né?”.

Não sei o motivo de ela começar falando sobre isso, mas adorei o início da prosa. Respondi: “ah, então a gente tem muito a conversar, porque eu também tenho um bocado de sonhos”.

Ela continuou: “então vou contar o meu e você me conta o seu. O meu não é segredo, todo mundo aqui sabe”. E foi adiante: “meu sonho é que meus filhos e netos venham me visitar”. 

Não, ela ainda não acabou, está respirando para continuar; e eu também, respirando para digerir aquela informação.

“Meu sonho é que eles venham, pois sei da correria deles e eles me colocaram nesse lugar porque aqui somos bem cuidados. Eles precisam trabalhar e eu entendo. Mas queria que eles viessem me visitar pelo menos no mês de maio”. 

Eu estava desconcertado: “bom senso, por onde você anda/apareça, por favor”. Foi aí que eu disse: “mas quem sabe eles não vêm até o Natal, né?”. No que ela disse: “não, Natal aqui fica cheio. O Dia das Mães é que é difícil passar sozinha”.

Colocar uma pessoa num lar de idosos, para os que têm família, é uma decisão ainda muito pesada. Eu acredito que no futuro nós vamos escolher isso para nós mesmos, mas numa configuração diferente das instituições de hoje. Já surgem lares, comunidades diferentes.

Acho que não está longe de termos mais espaços em que as pessoas optem por ficarem ali, com independência e contando com as praticidades que o envelhecer exige. Mas hoje, ainda, temos a noção de lares tristes, pessoas abandonadas, solitárias. Não vamos nos enganar, isso acontece sim, por mais que tenhamos instituições sérias e profissionais.

Quando a Madre Teresa de Calcutá recebeu o Prêmio Nobel, perguntaram-lhe: “o que podemos fazer a fim de promover a paz mundial?” Ela respondeu: “voltem para os seus lares e amem as suas famílias”.

Aquela senhora, sentada num lar de idosos, não é a Madre Teresa, mas a mensagem que ela me apresentou naquele dia é bem similar ao discurso da religiosa.

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