Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Boa noite!

Publicado em 24/06/2022 às 10:36.

Cheguei próximo ao carro que pedi pelo aplicativo e perguntei ao rapaz:
Hudson? Ele, tranquilamente, respondeu: “boa noite, pois não, o senhor é o Tio?” Eu respondi que sim, entrei no carro e comentei com ele que eu errei, pois deveria ter dito o nome dele, mas perguntado como ele se chamava, para evitar de entrar num carro errado, já que na pressa às vezes não olhamos a placa.

O jovem motorista, educadamente, me perguntou: “posso ser verdadeiro
com o senhor?”. Ao receber a minha afirmativa, ele responde: “na verdade o senhor deveria ter é dado boa noite antes de mais nada”.

Eu tentei argumentar que a forma direta de perguntar foi uma maneira de
economizar o tempo dele e ele me disse que vale a pena perder tempo por
uma gentileza. Depois desculpou-se, dizendo ser esta a sua opinião e que ele só falou por eu ter perguntado o que ele achava.

Eu parei para pensar por alguns minutos como o tempo, ou o que
fazemos com ele, nos emerge em relações mecânicas. Disse a ele o quanto gostei da sua sinceridade e dali fomos conversando.
Tem uma frase linda, mas que não deixa de ser incômoda, do Machado
de Assis: “mas o tempo, o tempo caleja a sensibilidade”.

Quando fui estudar em Cuba, uma professora cubana me disse que
antes de qualquer coisa, quando fosse conversar com alguém por lá, eu não poderia deixar de balar o “buenos dias”. Chegando naquela ilha eu reparei que as pessoas tinham esta cortesia. Antes de estabelecerem uma conversa, o cumprimento se fazia presente, num gesto tão amistoso que parecia que eles nos brindavam a cada encontro.

Trouxe esta sensação para o Brasil e comecei a falar com as pessoas,
durante as palestras, que a atenção ao cliente não se resumia em oferecer
somente aquilo que eles buscavam em termos de produtos e serviços, mas
era, também, acolher suas dúvidas e, sobretudo, a carência que todos nós
temos de atenção, respeito e visibilidade.

Todos queremos ser reconhecidos naquilo que temos ou fazemos de
melhor. Quantas e quantas vezes o nosso sorriso ou saudação ficam no vácuo para o motorista de um coletivo ou mesmo de um carro de aplicativo, de um atendente ou caixa de supermercado, para um funcionário público  em uma repartição ou um prestador de serviço, seja lá o que for? E isso tem a capacidade de deixar muitos de nós bem irritado.

Tem uma imagem antiga, que circulava pela internet, de uma placa de cafeteria que indicava que quanto mais educado fosse o cliente com o atendente, menos ele pagaria pelo café. Se pedisse ao balcão “me vê um café aí”, o preço seria três vezes superior ao de pedir de uma forma diferente: “bom dia, você poderia me servir um café, por favor?”.

Será que estamos perdendo a gentileza? Será que pequenos valores,
que são reflexos de uma sociedade construída com base em respeito mútuo, têm se perdido ou já se perdeu?

Perguntei ao mesmo motorista do aplicativo se ele conseguia estimar,
em uma média, quantos atendimentos que fazia diariamente em que os
clientes eram mais grossos que gentis. Quantos eram mais ríspidos, sem
educação e a resposta dele foi ótima, com a sinceridade que ele usou desde o início da corrida: “é muito raro alguém entrar e ser grosso, as pessoas estão é desatentas umas com as outras”.

Quando ele disse isso, além de me alertar para que eu também estava
me deixando atropelar pela desculpa do tempo, comecei a pensar o quanto nós mesmos orientamos, em conversas corriqueiras, o humor do outro no início de uma conversa.

Minha mãe me dizia, quando eu ainda era bem novo, que a vida é boa
demais para gente se deixar contaminar pelo mau-humor dos outros.
Tem um ditado chinês que é bem incômodo, mas que serve para boas
reflexões; “quando um dedo aponta para a lua, os tolos olham para o dedo”. De vez em quando me pego olhando para o dedo, só mais tarde percebo que perdi o tempo de observar a lua, de mirar a sua beleza e descobrir algumas de suas particularidades.

Ouvir mais as pessoas, dar mais atenção ao que se passa em nossa
volta, parar de pensar que tudo que acontece contra a gente foi de fato ao
nosso desfavor e estar aberto para aprender, sempre, e sem presunção. Eis um bom caminho a ser trilhado. Fácil? Quem disse que seria?

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