Quando eu comecei da dar aulas de marketing, em 1999, eu tinha acabado de me formar na graduação e já tinha iniciado duas pós-graduações na área de marketing e administração de pequenas empresas.
Como eu gostava de estudar e já era professor de ensinos fundamental e médio, não tive dificuldade em me adaptar à nova realidade. Ainda tinha o fato de ter acabado de sair da faculdade e saber o que era legal ou não no ensino daquela mesma instituição e, assim, em sala, conseguir fazer algo diferente do que os alunos tradicionalmente reclamavam.
A teoria do que eu ensinava me ajudou bastante, mas a falta da prática era um incômodo, afinal, os livros nos orientam, trazem estudos de caso, nos aproximam da realidade, mas não são a realidade. Era preciso experienciar, viver a prática daquilo que eu falava na teoria.
Quando cheguei em sala já tive um embate. Eu era novo e os alunos, que já estavam em etapa final de curso, temeram pela minha inabilidade e foram, de algum modo, resistentes.
Nesse contato com os alunos, fui batizado por Tio Flávio. Ali, consegui me aproximar deles, entendê-los e compartilhar de bons momentos em sala. Lembro de uma aluna, a Jeanne, no curso de Publicidade, que falou com sinceridade que não gostava de marketing por achar que tudo aquilo era uma maneira de manipular as pessoas. Argumentei sobre o marketing para causas sociais e ela ouviu, descontente ainda.
Na formatura, dois semestres depois, fui convidado pelas três primeiras turmas que lecionei para ser patrono e/ou paraninfo. O respeito por eles e a proximidade me levaram àquele lugar, mas o incômodo ainda persistia.
Um dia, num churrasco, reclamando de alguns professores, o Danilo, que tinha sido meu aluno, me disse: “quem não faz, ensina”. E depois, entendendo que eu fiquei incomodado com aquela fala, ele disse: “não é o seu caso, viu?”. Ele podia não estar se referindo a mim, mas eu sabia que aquilo era a minha “incompletude”.
Com o tempo, vieram os trabalhos em marketing e consultorias, que me deram um pouco mais de segurança para aplicar a teoria.
Sentido diferente aconteceu no que diz respeito à minha atuação no voluntariado. Sem planejamento algum eu me vi fazendo palestras para mulheres que se prostituíam num hotel da região da rodoviária de BH. Pouco depois, falava para funcionários de uma instituição que acolhia pessoas com paralisia cerebral; iniciais as visitas regulares aos asilos, hoje ILPIs; dali a pouco fui convidado a conhecer a realidade de crianças judicialmente afastadas do convívio com os pais e que viviam em casas de acolhimento.
Sem planejar estava em hospitais, na hemodiálise, conversando com os pacientes e em instituições de privação de liberdade, palestrando para presos.
Quando chegou a vez de ir para casas que recebiam crianças com câncer, vindas do interior para o tratamento oncológico na capital, parece que tudo aquilo vivido foi se somando e tive um sentimento inverso da experiência de professor na graduação: vivenciava amplamente a prática social, mas precisava da teoria para me orientar, me dar um rumo, uma direção.
Livros de filosofia e de ciência foram como um afago, um bálsamo para algumas aflições. Eu queria entender por que filhos são abandonados; precisava descobrir como alguém troca a cadeira de rodas do pai idoso por pedras de crack; era necessário ter uma noção da origem da revolta em adolescentes abrigados ou da “escolha” pela criminalidade por todos aqueles meninos que se enfileiravam na porta de uma cela, num centro socioeducativo do bairro Lindeia, todos com menos de 14 anos.
O conhecimento científico tem me ajudado demais e entendi que há ainda muita coisa sem resposta, mas os estudos de especialistas tornam o meu trabalho voluntário mais efetivo e com maior compreensão das suas complexidades.
Esta semana a Ana Cláudia, professora de Biologia da Escola Estadual Guimarães Rosa, na periferia da capital, passou num doutorado na Dom Helder, uma instituição de excelência acadêmica. Comemoramos juntos. Eu entendo como isso vai ser rico para ela e, ainda mais, para os projetos sociais que ela desenvolve na escola junto a tantos jovens.
Há cerca de dois meses convidei 27 doutores, de áreas de conhecimento diferentes, para que sejam conselheiros do movimento voluntário que coordeno. Com exceção de uma querida amiga, que se justificou, todos concordaram em participar, ler projetos, trazer ideias, contribuir com seu conhecimento para questões sociais que lidamos diariamente. A ciência ainda vai ajudar muito as instituições sociais a terem mais efetividade e profissionalismo naquilo que fazem. Conto e confio nisso.