Um amigo me indicou um podcast, da Rádio Novelo, que foi batizado de “Crime e Castigo”. Ao explicarem o porquê de terem dado este nome ao trabalho que desenvolveram, fazendo uma alusão a um clássico da literatura mundial, as produtoras brincaram com um pedido de desculpas ao Dostoiévski, mas disseram que não havia melhor escolha a ser feita.
Idealizado para ser apenas um episódio extra da série “Praia dos Ossos”, da mesma produtora e que conta a história do assassinato da mineira Ângela Diniz, a pesquisa para a criação deste capítulo se mostrou tão vasta de novos assuntos que permitiu a concepção de uma outra série: “Crime e Castigo”.
Ouvindo réus e vítimas, familiares das vítimas e operadores do direito, cidadãos e especialistas, o podcast esmiuça o assunto das penas por crimes no Brasil e consegue sensibilizar, informar e nos fazer refletir.
Queremos que quem cometeu um crime saia do sistema prisional pior do que entrou? Nós queremos esses criminosos reeducados e prontos para o convívio salutar na comunidade? Ou nem queremos que saiam, mas, se tiverem que deixar o sistema, que o façam num rabecão?
Será que nascemos maus?
O doutor Gabor Maté, estudioso dos traumas infantis, explica em um documentário chamado “A sabedoria do trauma”, que “trauma é uma ameaça avassaladora com a qual você não sabe lidar. Não são as coisas ruins que aconteceram com você, mas o que aconteceu dentro de você como resultado do que aconteceu com você”.
Ainda segundo o doutor Maté, “não precisar perpetuar a dor em nós mesmos e infligir sofrimento aos outros” é uma grande sabedoria que o sofrimento pode nos deixar de legado. E aqui eu quero falar sobre todas as pessoas envolvidas em uma situação traumática de um modo bem geral, sem fazer comparações ou classificar a dor de ninguém, já que não há métrica para dor. Em algum nível estas experiências constituirão os seres humanos com os quais convivemos ou no nos quais nos tornaremos.
Fato é que as produtoras da Rádio Novelo, em sua ampla investigação e pesquisa, argumentam que não são as prisões atuais, com seu sistema punitivo, que vão transformar as pessoas, despertando-lhes para um sentido de vida comunitária e ética, trabalhando aquilo que faz morada dentro de cada um, a que chamamos também de moral.
Longe de ser a solução, mas perto de ser um caminho, um dos episódios de “Crime e Castigo” fala sobre a Justiça Restaurativa e traz a opinião de quem comunga ou não com o rumo que ela toma dentro do sistema judiciário brasileiro ou na adaptação feita para a nossa realidade nacional.
Quando acabei de ouvir todos os episódios do podcast, mandei um email para a Rádio Novelo, apresentando a metodologia das Apacs - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados - criada em 1972 pelo advogado e jornalista Mario Ottoboni e que nesse ano comemora 50 anos de existência.
Ao falar das Apacs como uma maneira humanizada do cumprimento da pena, muitos questionam a humanidade que faltou naqueles indivíduos frente aos seus “reféns”, suas vítimas, na prática dos seus crimes e que, por isso, eles também deveriam sofrer, com base na lei do Talião, que representa uma dura retaliação do crime praticado e de sua pena.
O aprisionamento como é feito hoje, no sistema tradicional, não restaura e nem repara, não ajuda nem na “vingança” de quem quer os algozes banidos da sociedade e nem traz paz a quem a merece. É preciso repensar muita coisa para que tenhamos menos cadeias. E tudo isso passa pelo conceito de justiça social, com educação, saúde, oportunidades “equitativas” e por aí vai.
Uma pedagoga cubana, cujo nome infelizmente não me lembro, diz que somos protegidos por diversas “malhas”. A individual, a familiar, a escolar, a comunitária. Quando fissuras vão sendo provocadas em cada âmbito desses, temos uma “malha” subsequente, bem próxima, para nos dar suporte, nos reorientar. Porém, quando rupturas contínuas acontecem, a instância, ou “malha”, em que qualquer um nós pode despencar é a do aprisionamento.
Assisti a uma palestra no TED com a Sue Klebold, mãe de Dylan Klebold, um dos atiradores do massacre da Escola Secundária de Columbine (Colorado, EUA), que matou doze estudantes e um professor. Ela passou anos escavando cada detalhe da sua vida familiar, tentando entender o que ela poderia ter feito para evitar o ato de violência cometido pelo seu filho.
A fala dela parece que serve para a família de réus e vítimas: “somos condenados a uma tristeza perpétua”. Hoje ela conseguiu controlar suas crises de pânico e usa aquilo que aconteceu com a sua família para orientar outras pessoas sobre a saúde do cérebro, como prefere nominar a saúde mental.
“Crime e Castigo” não esgota o tema, mas nos colocar para pensar bastante.