Quando eu era adolescente, ouvia as pessoas falarem do Centro de Valorização da Vida (CVV), mas nunca coloquei muita “fé” nesse serviço. Com o passar do tempo, eu lembro que via comentários em programas de TV ou jornais citando a importância desse tipo de trabalho, mas ainda me mantinha incrédulo.
Eu pensava se realmente alguém, desesperada, às vezes à beira de cometer um suicídio, pegaria um telefone e ligaria para algum desconhecido, para desabafar, falar das suas intenções, das suas dores, pedir apoio ou algo assim.
Duvidada mesmo o que levaria uma pessoa a conversar com um estranho, numa relação tão fria, sem o “cara a cara”, via ligação telefônica. Bom, apesar disso, da minha total falta de conhecimento, a que também chamamos de ignorância, sempre ouvia os melhores comentários e indicações de especialistas no assunto a respeito do CVV.
Dias atrás, depois de ler alguns livros do médico e psicanalista, professor da Unicamp, Roosevelt Cassorla, resolvi me inscrever num curso promovido pela Livraria do Psicanalista e pelo Instituto de Estudos Psicanalíticos de Bauru (SP) – “Estudo sobre suicídio: psicanálise e saúde mental”. Perguntei, no ato da matrícula, se um curioso, que não é da área da psicologia, conseguiria acompanhar, e o pessoal me encorajou a participar da turma.
Na segunda aula, um aluno pergunta sobre o CVV, se o professor Cassorla, referência nos estudos do suicídio, conhecia como funcionava e se era um trabalho válido. O médico teceu elogios e falou da seriedade dessa organização voluntária, criada em São Paulo em 1962 e associada ao Befrienders Worldwide, que congrega entidades congêneres de todo o mundo.
Terminada a aula daquele dia, fui logo acessando o site cvv.org.br e passei um tempinho ali, pesquisando. Achei a aba de “seja voluntário” e a lista de cursos abertos para a seleção de novos voluntários. Mandei e-mail para um e a turma já estava cheia, enviei para outro e também já estava no limite de participantes. Insisti e educadamente a pessoa que me respondeu ao e-mail explicou como funcionava o curso e para eu tentar na minha região: Belo Horizonte.
Mas a vontade de conhecer mais sobre o assunto não me deu paz. Então, enviei um e-mail para outro CVV com inscrições abertas, em São Paulo, e consegui a vaga. Não sei se foi essa busca que me criou ainda mais expectativa ou se tudo que tenho lido e vivido próximo a mim: diariamente pessoas pedem orientação de ONGs e instituições para indicarem para o atendimento de um amigo, conhecido, colega de trabalho ou, em muitos casos, de um familiar.
Nos projetos sociais que desenvolvo, lidamos com muitas situações, mas a desesperança, desespero, falta de perspectivas e solidão têm me incomodado.
Resolvi estudar sobre solidão, já que é um fenômeno nada recente e que aumenta em nossa sociedade, mesmo em meio a tanta gente em contato constante, seja pessoal ou virtualmente.
No dia do curso, cedinho, eu estava lá, com o caderno na mão para as anotações. Dois dias de aulas virtuais – sábado e domingo, cinco horas em cada dia, além de nove outros encontros de três horas em sábados subsequentes. Só de ver essa carga horária já senti mais segurança, uma vez que a responsabilidade desse trabalho é muito grande.
Como os atendimentos ao telefone 188 do CVV, os relatos contados no curso, caso surjam, são sigilosos, pois é a exposição de alguma vivência de um participante que estamos ouvindo e acolhendo. O curso é focado no aprendizado, na troca de experiência, conduzidos por seis voluntários do CVV, cada um com uma bagagem de anos nesse trabalho.
Ouvimos as aulas, discutimos em grupos, voltamos para a plenária, seguimos. Assim, cinco horas passaram como um sopro. No domingo, todos lá, com suas xícaras de café, chá, água e bem-dispostos.
A cada explicação de como funciona, mais encantado eu ficava. Pensei que deveria ter conhecido antes esse trabalho, que isso somaria ao que faço em sala de aula, nas palestras, no Tio Flávio Cultural. Mas, como disse um dos maiores poetas chineses, Du Fu: “A chuva sabe a hora que cai”.
Ainda estou em processo de treinamento e seleção no CVV. Não sei se serei selecionado para fazer parte do corpo de voluntários, mas o aprendizado até aqui já valeu muito.
O que eu falo agora, para quem me pergunta, é da seriedade e competência com que essa associação civil sem fins lucrativos, filantrópica, reconhecida como de Utilidade Pública Federal desde 1973, trata o apoio emocional e a prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato.
Os contatos com o CVV são feitos pelo telefone 188 (24 horas e sem custo de ligação), pessoalmente (nos mais de 120 postos de atendimento) ou pelo site www.cvv.org.br, por chat e e-mail. São realizados mais de 3 milhões de atendimentos anuais, por aproximadamente 4.000 voluntários, localizados em 24 Estados mais o Distrito Federal, segundo dados do próprio CVV.