Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Driblar o absurdo da vida!

16/12/2021 às 16:38.
Atualizado em 29/12/2021 às 00:33

O Porto Social, referência em incubadora de projetos sociais aqui no Brasil, juntamente com a Igreja Central, de Belo Horizonte, realizou um programa de aceleração para empreendedores sociais.

Tive a honra de fazer a palestra de encerramento da primeira turma.

Sentados ali estavam diversos representantes de projetos sérios, que desenvolvem suas ações sociais em diversos campos de atuação: música, dança, assistência social, esporte, educação, acolhimento.

Histórias de vidas que se dedicam ao voluntariado. Jovens, adultos, ou pessoas que se aposentam e doam seu tempo, quase que integral, para promoverem e estimularem atividades esportivas para crianças e adolescentes de aglomerados em Belo Horizonte e região.

Enquanto eu palestrava, citei que naquele mesmo dia, em que eu havia dedicado quase que duas horas numa atividade de leitura de cartas de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade, eu refletia o que me levou a aquele lugar, o que me conduziu aos projetos sociais.

Falei na palestra que há algo maior que todos nós, que nos atrai e nos envolve. Uma pesquisa realizada em 1908 pelo professor Josiah Royce, de Harvard, perguntava às pessoas que estavam numa fase mais longeva da sua vida porque o simples fato de existirmos – termos um lugar para morar, comer, estarmos seguros e vivos – nos parece, ainda assim, vazio e desprovido de sentido.

A resposta dada às pesquisas do professor foi que todos estamos em busca de uma causa que vá além de nós, que pode ser algo como cuidar de um animal de estimação ou engajar-se em campanhas contra a fome, mas que ao atribuirmos valor a isso, a enxergamos como digna de sacrifício da nossa parte, o que dá sentido à nossa existência.

Albert Camus, prêmio Nobel de Literatura, escreveu um livro chamado “o mito de Sísifo”, que conta a história desse personagem mitológico que enganou a morte algumas vezes e, por isso, foi condenado por Zeus a levar eternamente uma pedra morro acima, todos os dias. Ao chegar ao topo, a pedra caía e ele tinha que repetir sua tarefa, dia após dia.

Camus dizia que a vida é tão absurda que para não sucumbir ao que ela queria que fizesse, rotineiramente e com dor e lamentações, Sísifo deveria encontrar uma maneira nova, todos os dias, de fazer a pedra chegar ao topo. O absurdo da vida seria contrariado se Sísifo conseguisse ser feliz.

A rotina pode nos aprisionar, assim como outras prisões mentais e sociais que invisivelmente nos acorrentam. Descobrir que a vida pode ser melhor vivida significa indignar-se com o que não te faz bem e procurar saídas, respeitando o contexto comunitário, afinal, não vivemos isolados.

O que dá sentido à vida? A resposta é muito pessoal. Uns atribuem a uma divindade, outros à sua própria família, alguns aos seus empregos e carreiras. Porém, aprendi que o verdadeiro sentido é aquele que permanece com a chama acesa quando tudo o mais cessa.

A família é importante, apaixonar-se por alguém também. Ter um trabalho que me brilhe os olhos ou ser voluntário numa ação social, tudo isso é muito bom e dá sentido à nossa existência. Mas o sentido, real, é superior a isso. É a relação sua consigo mesmo e com a própria vida.

Se coloco todo o sentido da minha existência na minha família e, por ação do “destino”, eu a perco, minha vida se anula. Mas se a família é parte de algo que me leva ao sentido, a sua perda me impacta, mas não me para. E, às vezes, até me acelera, me faz caminhar com mais noção dos passos que darei.

Como Sísifo, achemos uma maneira de levar nossa pedra morro acima, seja ela pesada ou não. E se ela cair, voltar ao ponto de partida, que a gente se lembre de ir lá pegá-la e subir de novo, driblando as situações que tornam a subida mais difícil, que com o passar do tempo nos fazem acostumar ou fechar os olhos para o caminho.

Que a gente suba o morro cantando a melhor das canções. Aquela que nos lembre o porquê estamos aqui.

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