Toda vez que eu falo que empatia não é fácil, alguém rebate - com seus argumentos, logicamente. Mas eu nunca passei fome e ao barulho que a minha “barriga” faz próximo ao almoço pode-se dar o nome de apetite, mas fome é o que não é. Eu não conheço essa dor e só sei que dói porque ouvi relatos.
Eu não conheço o que sente uma mãe, que sai do interior de um Estado com uma criança adoentada para vir realizar um longo tratamento na capital. Eu vejo isso todos os dias, imagino como deve ser essa sua jornada, mas não consigo estimar a dor, a esperança, a fé dessa pessoa.
Uma outra coisa: a gente tem que parar de atribuir métricas às dores, como: “ah, isso que a pessoa está sentindo não é nada. Você que não sabe o tanto que eu já sofri”. Dores não são medidas, pois cada um reage de uma determinada maneira a algum fato. E, em alguns casos, dores se tornam cicatrizes e, em outras pessoas, perseveram em ser feridas abertas.
Assim é com as pessoas que não têm um lar e dormem à beira das ruas, muitas vezes em grupos ou sob a guarda de câmeras de vídeo das ruas ou das agências bancárias, buscando ter o mínimo de proteção.
Sobre tudo isso tenho que contar algo que me ocorreu nessas últimas semanas, quando recebi uma daquelas mensagens que aquecem o coração. Pois bem, um amigo me mandou um recado dizendo que num dia desses ele resolveu dormir com o cobertor e usando seu pijama comprido, mas sem meias. Ele acreditava ser suficiente, já que estava em seu quarto, mas me relatou que o frio era tão intenso que ele ficou com os pés gelados, como a gente costuma dizer.
Nisso ele se colocou a pensar o que seria dormir na rua, com papelões e outros tipos de proteção improvisados. O que seria sentir um frio incontrolável, sem ter para o que ou a quem apelar, uma vez que esse meu amigo estava em sua casa e poderia colocar outros “apetrechos” para se aquecer, mas quem não tinha casa não teria, talvez, a mesma chance.
Resolveu, então, fazer uma campanha entre os amigos para arrecadar cobertores e distribuir nas ruas de BH, mas sentiu que isso poderia ser uma logística mais complicada e a ideia que lançou foi de arrecadar meias para serem destinadas a ONGs ou movimentos sociais que fizessem chegar esse presente a quem precisasse mais.
Inicialmente seriam beneficiadas as pessoas em situação de rua, depois o projeto foi ampliado para atender aos idosos em instituições de acolhimento e pacientes que saem muito cedo de casa para se tratarem em hemodiálise e quimioterapia em Belo Horizonte.
O grupo de amigos conseguiu mais de 700 pares de meias e elas foram entregues a três instituições sociais. O frio, que ainda persiste em muitos lugares, tem tirado a vida e adoecido muitas pessoas que vivem nas ruas. A solidariedade tem aquecido algumas dessas pessoas, mas ainda há tanta gente precisando, por isso mesmo é que é impossível acomodar-se.
Lembro muito de um conceito de empatia, proposto pelo Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama: “Encontro de dois. Olho no olho. Cara a cara. E quando estiveres perto, eu arrancarei os seus olhos e os colocarei no lugar dos meus. E tu arrancará os meus olhos e os colocará no lugar dos teus. Então eu te olharei com os teus olhos e tu me olharás com os meus”.