Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

É preciso falar sobre suicídio

Publicado em 14/10/2022 às 11:10.

Eu me lembro nitidamente daquela ligação. Eu não estava em Belo
Horizonte neste dia, era 14 de novembro de 2015. Uma amiga me liga no celular, o que por si só causa estranhamento, uma vez que as pessoas mais próximas a mim sabem que tenho aversão a ligações telefônicas.

Minha amiga me fala que me considerava como a um irmão, que queria deixar bem claro o quanto eu sou importante para ela e que é grata por nossa amizade. Só que tudo isso foi sendo dito por ela em prantos, chorando copiosamente. Eu não estava entendendo nada, fiquei sem reação e assustado.

Sabia que era algo mais sério, em função dela ter ligado. Fiquei ainda mais alerta pelo fato dela estar emocionalmente alterada. Foi quando ela me deu a trágica notícia.

“Eu precisava falar isso hoje para você. Acabei de saber que um grande amigo, de botecos e bons papos, que era uma pessoa muito próxima, tirou sua própria vida. E a gente sem perceber nada, porque ele estava tão bem, sempre alegre”, diz a minha amiga.
Eu não o conhecia, mas ela estava falando do Marden, um jovem que trabalhava com produção musical, casado, pai amável de uma menina e um menino. Assim, aparentemente “do nada”, ele cometeu suicídio.

Anos depois, curioso que sou em estudar temas ligados à finitude,
inclusive o suicídio, esta mesma amiga me indica um artigo que a esposa do Marden havia escrito sobre este triste momento da vida dela, mas sem vitimismo, com o pé fincado no chão, demonstrando dor em cada linha escrita, mas trazendo luz para o assunto, que ainda hoje é tabu e motivo de vergonha para uns, culpa para outros e sensação de fracasso para tantos que são familiares de pessoas mortas pelo autoextermínio.

Quando li o texto, senti um conforto, pois alguém falava de uma maneira que outras tantas se sentiriam representadas. Apesar do luto ser individual, o texto traduzia o que sentem muitas pessoas que passam por esta situação.

Luciana Rocha já era psicóloga antes de se casar com o Marden e após a morte do marido dedicou-se aos estudos sobre finitude, especializando-se em “Suicídio e comportamentos autolesivos”, tendo ainda feito formação em “Cuidados paliativos”. Luciana foi aluna de cursos, palestras e workshops na área, passando a ser, depois, palestrante e professora do assunto.

O texto que li no site “vamos falar sobre o luto” chama “O suicida não é covarde nem herói”. Fiquei impressionado de como a Luciana tratava o tema. É necessário conversar mais sobre o suicídio, uma vez que informados, todos podemos ajudar àqueles que necessitam de apoio. Não vamos medicar e nem substituir os psicoterapeutas, mas a escuta ativa pode ser de grande valia, até mesmo para conduzir a pessoa a um profissional.

Conversei bastante com a Luciana sobre o assunto. Ela me deu entrevista, indiquei o seu texto para várias pessoas e, por mensagem em rede social, sugeri que ela precisava contar essa vivência em um livro, para que chegasse a mais pessoas, que se identificariam e seriam acolhidas.

Acho que de tanto seus amigos, clientes e seguidores pedirem, ela cedeu e traduziu esta passagem da sua vida num livro, publicado em setembro desse ano pela editora Gulliver, justamente no mês dedicado a uma campanha de conscientização sobre o tema: setembro amarelo.

No livro “Nem covarde, nem herói: amor e recomeço diante de uma
perda por suicídio”, Luciana conta como conheceu o namorado, o casamento, os filhos, o dia do suicídio do marido, os anos posteriores, a dor e o luto, as dúvidas e as descobertas. Não é uma obra de superação, pois perdas de pessoas amadas não se superam. 

Li o livro numa viagem de ônibus que fazia de São Paulo a Belo
Horizonte. Ainda usando máscara, meus óculos embaçavam com a respiração e as lágrimas, Entre as páginas 21 a 25 o choro se acentuava.

Luciana consegue, ao mesmo tempo, contar sua história e trazer para os leitores informações relevantes sobre o luto, sofrimento mental, mitos e verdades sobre o suicídio, sinais e fatores de risco e seus aprendizados.

Destaco esta parte sobre como ajudar as pessoas com ideação suicida: “é importante ressaltar que o ouvinte em questão precisa estar preparado para esta conversa. Ele não deve se desesperar, criticar e muito menos desprezar o que foi dito. Deve oferecer a escuta ativa e acolhedora e, a partir daí, ajudar objetivamente na procura de profissionais de saúde qualificados que possam conduzir o tratamento”.

O suicídio pode ser prevenido, como diz Luciana Rocha, mas não
previsto. E é por isso que, ao falarmos mais sobre o assunto,  fazemos com que as pessoas tenham mais atenção para aqueles que estão em sofrimento mental, depressão e possuem ideias suicidas.

O livro “Nem covarde, nem herói”, da Luciana Rocha, será lançado neste sábado, 15/10, às 11 horas, em uma conversa que eu terei a honra de mediar, na livraria Outlet de Livro, na Rua Paraíba, 1419, em BH. Mais informações no instagram @outletdelivro 

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por