Ela escreve poesias e as guarda, centenas de folhas, colecionadas há anos, umas agrupadas em cadernos, outras soltas numa caixa. Perguntei de onde surgiu esta vontade de colocar num papel tanta beleza e ela me disse que da dor do abandono e da solidão. No susto, tentei desconversar, pois não estava preparado para aquela resposta, mas ela precisava falar e continuou.
Ela foi professora de Língua Portuguesa para crianças da primeira à quarta séries. Adorava lecionar. Conta que é preciso sempre ler e se atualizar para que possa fazer o melhor em sala de aula. Era filha de uma mãe sem estudo nenhum. O pai era comerciante, dedicado aos números, mas não entendia muito das letras. Ela era a filha mais nova, tendo outras duas irmãs, que também eram professoras. “Olha a ironia, ninguém ensinou mamãe a ler. Eu fui alfabetizá-la depois de concluir meu curso de magistério. Pelo menos ela não morreu sem saber escrever seu próprio nome e uma listinha de compras”.
As irmãs não se casaram, ela sim, mas não teve filhos. Os pais morreram, depois foi uma das irmãs, o marido e há algum tempo a outra irmã também “partiu”, como ela mesma disse.
Seguiu a vida, encontrou no voluntariado um sentido, mas sua fragilidade física a levou a uma casa de repouso para idosas. Lúcida, ela ajuda nas tarefas, organiza as roupas das colegas, cuida daquilo que pode. Mas, ali, a maioria tem algum tipo de demência, e as poesias que ela faz são ouvidas por todas, mas, sem eco, descansam guardadas em caixas.
Ela não queria se sentir sozinha em meio a tanta gente. As letras a fazem companhia. Disse-me que os funcionários da casa são ótimos, mas mudam muito, uns para novos empregos e outros por motivos que não são ditos. Quando está começando a ter uma proximidade, a pessoa sai e entra uma nova. “Gostoso é quando vêm os voluntários, porque aí eu sento e leio a poesia que fiz na semana. Eu não insisto, mas elas sempre perguntam se há alguma poesia nova. Eu até tava desanimada de escrever, mas como que eu ia deixar as meninas sem a poesia? Eu ia explicar que tava com preguiça, uma idosa que não tem mais nada pra fazer?”.
Muitas vezes o voluntário não sabe o tanto que aquela visita impacta a vida das pessoas, que se preparam, seja emocionalmente, seja com um banho ou roupa asseada, para receberem aqueles que visitam com constância. O voluntário não substitui o parente que já morreu ou que os que estão vivos, mas ausentes. Ele é o amigo, que quando chega amplia o dia de quem o espera. “É triste não ter a quem esperar”, concluiu a nossa poetisa.
Assim que as chuvas do Rio Grande do Sul tiveram início, elas mobilizaram colegas de todo o Brasil para que fossem para a cidade de Sarandi, atender as vítimas das enchentes. Passados alguns dias, elas agora iniciam a segunda fase de atuação, que é continuar com os atendimentos no ponto físico onde estão e realizarem as missões, atendendo quem não pode ir ao posto do projeto. Para isso, pedem ajudas à sociedade para que o trabalho não pare.
O Comida que Abraça, projeto mineiro que atua na confecção de marmitex para distribuição em ruas ou abrigos de Belo Horizonte, também está lá no Rio Grande do Sul e, em parceria com a Be Grateful, produziu e entregou quase 10 mil refeições para as vítimas das chuvas nos primeiros doze dias que lá estavam.
Já as ações que chamamos de relacionais, são as que, como no caso da nossa poetisa, realizam visitas a instituições para desenvolverem um relacionamento que priorize a escuta ou atividades lúdicas com as pessoas.
Já os projetos de assistência são aqueles que alimentam o corpo, auxiliam em situações de miséria, de falta momentânea, atendendo a necessidades básicas por um período de tempo. Doar cestas básicas a uma família, enquanto ela se reestabeleça, consiga uma renda. Ajudar com um medicamento, uma cadeira de rodas, roupas que protejam do frio ou deem dignidade.
Seja como for, em cada uma dessas situações, o voluntariado se mostra importante, necessário enquanto o Estado está em letargia. O meu sonho é que as instituições e movimentos sociais se conscientizem do seu importante papel e se unam, para cobrarem dos governos aquilo que é devido a eles fazerem, sem que coloquem vidas em risco.