O Minas Voluntários me convidou para participar de uma mesa redonda em um evento da Associação Nossa Cidade, que conecta diversos projetos sociais de maneira colaborativa. Eles acreditam no poder agregador do trabalho em rede, o que mais e mais pessoas e instituições ainda precisam aprender e extrair daí as suas diversas possibilidades, uma vez que atuar sozinho é muito mais cansativo, menos produtivo e, em alguns casos, possui um alcance bastante limitado.
A rede nos dá a possibilidade de exercitar a escuta, uma vez que outras pessoas participam do processo decisório, dando visões diferentes e acrescentando algo novo ao ponto de vista que temos. E, como sabemos, apenas um ponto de vista não nos dá a possibilidade de ver o todo. Ficamos focados em uma parcela, o que nos remete àquela fábula do elefante, onde uma pessoa de olhos vendados toca numa parte do animal e descreve sua percepção diante daquele pedaço apalpado, achando que aquilo é tudo e sem ter noção que há muito mais diante de si.
Durante o evento Nossa Cidade Conecta, pude ouvir de uma voluntária de Brasília o que ela acreditava ser o voluntariado. Ela explicou que ajudar alguém provoca muito mais ganhos a quem ajuda do que àquele que recebe. Esta é uma fala corrente no meio dos movimentos sociais e é verdadeira, com reflexo imediato em que pratica o bem. Sabemos, também, de vários estudos científicos que dão conta de alguns hormônios que são produzidos em nosso cérebro e nos proporcionam satisfação e felicidade. A filosofia já explica, há séculos, o poder de doar-se a uma causa que vá além de si mesmo.
Quando Josiah Royce propôs a “Filosofia da Lealdade”, no início do século passado, ele entrevistou diversas pessoas que estavam em estágio de terminalidade da vida. O filósofo e professor de Harvard queria entender os motivos pelos quais o simples fato de viver não dava às pessoas um sentimento de completude.
“Por que o simples fato de estarmos vivos, termos um emprego, um lugar para morar e o que comer nos parece vazio e nos dá uma sensação de que a vida ainda não tem o sentido que gostaríamos?”, perguntava o professor.
Bem ligado ao que o pesquisador de Harvard descobriu, o que mais me chamou atenção na fala daquela voluntária foi quando ela disse que na ajuda ao outro ela consegue encontrar a si própria, pois revisita sua essência, tentando compreender o que tem ali dentro, quem ela é de fato. Aquela voluntária ainda disse que ela consegue se encontrar com o amor, muitas vezes negligenciado e ofuscado por diversas situações, mas que ao ser dedicado ao outro contribui para o amor próprio.
Sempre que falo em reconexão, lembro de uma história de uma tribo africana, na Namíbia, que tem como parte da sua cultura o ato de criar uma música para um bebê assim que inicia a sua gestação. Aquela canção é cantada com a criança ainda no ventre, quando ela nasce, quando faz aniversário, ao crescer e em todas as comemorações de sua vida. Ninguém na tribo tem uma música igual, é como se fosse a identidade de cada pessoa que compõe aquele coletivo.
O podcast Plenae – histórias para refletir, tem como lema: “ouça e reconecte-se”, trazendo a ideia de que alguns fatores fazem com que a pessoa perca a intimidade consigo mesma. A ideia é promover esse reencontro. Ali, várias histórias são relatadas para que quem ouve entenda, em menos de 20 minutos de áudio, como o convidado desenvolveu novos olhares diante dos seus desafios. E sempre tem uma ou mais dores que marcaram a vida daquelas pessoas e pautam suas descobertas.
Lembrei de um filme que assisti no Prime, Fúria Primitiva, que dizia que já que a dor existe, ela tem que ser vivida. Ninguém vive a dor por nós. Numa conversa com uma amiga, ela se cobrava de não encontrar sentido na dor e eu disse a ela só pra deixar a dor agir, sem que fique esperando dela respostas, pois isso nos tira a paz, ao buscar um ensinamento na dor e sentir-se tão incompetente a ponto de não conseguir aprender algo com aquela indesejada visita. Como diz o filósofo Byung-Chul Han: é preciso parar de anestesiar a dor.
Em a Fúria Primitiva uma pessoa dizia que uma dor pode virar propósito. Não que isso seja regra, mas para muita gente acaba sendo uma forma de ressignificar sua existência e uma conexão com algo para além de si.