Naquela manhã eu estava entre amigos, apesar de não conhecer todas as pessoas daquele evento, mas a CDM - Projetos Sociais de Alto Impacto, instituição social que me convidou para uma palestra, já é parceira em vários projetos voluntários. E eles fazem grande diferença na vida de muita gente, de pessoas idosas a crianças.
Eu tinha trinta minutos de fala, mas é lógico que ultrapassei, com o consentimento da organização. O tema era marketing social, o que eu amo. Lembro perfeitamente dos primeiros dias como professor de marketing, numa faculdade de Belo Horizonte, em que uma aluna chegou para mim dizendo que não gostava daquela matéria, pois ela ensinava a induzir as pessoas a consumirem em excesso e isso estava nos colocando em risco. Ainda muito inexperiente em sala de aula, disse que acreditava ser verdade o que ela dizia, mas que mudar este cenário não estava na responsabilidade de empresas que lucram com ele, mas na nossa, que acredita numa alternativa ou postura diferente.
Este embate com a aluna, que me recebeu dizendo ser incrédula ao que eu lecionaria, não era tão incomum nas salas de aula da disciplina de marketing. Um professor de história, fazendo uma pós-graduação, durante minha aula de Comunicação e Marketing disse o mesmo que anos atrás a aluna da graduação havia dito. Por coincidência, ou não, ambos são pessoas que eu tenho uma admiração e bom relacionamento hoje, apesar da distância física: uma está em Brasília e o outro em Lagoa da Prata, MG.
Quando comecei a dar aulas de marketing eu tinha o hábito de ler os livros nacionais sobre o tema e mandar e-mails para os autores, tentando uma aproximação e pensando, inclusive, como trazê-los a Belo Horizonte para uma palestra para os alunos.
Peguei um livro do Raimar Richers, que era nada menos que o professor dos grandes CEOs da época. Foi ele quem criou a Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas, em SP, e que trouxe o conceito de marketing para o Brasil, levando-o direto ao topo das decisões das empresas: os donos, que eram seus alunos.
O professor Richers não só veio a BH, como fez a palestra num auditório lotado de alunos e convidados, além de me convidar para escrever uma apresentação para a orelha do seu novo livro e tornar-se um amigo. Eu nunca tinha visto tanta humildade em uma pessoa. Ele me mandava mensagens, me dava orientações, me tirava dúvidas ou, às vezes, colocava-me em dúvida em vários assuntos.
Lembro o dia que fui busca-lo no aeroporto e que ele me disse que o conceito de marketing tinha sido banalizado e agora aplicam-no em qualquer coisa, distorcendo o que era de fato o potencial daquela disciplina.
Em seus livros, contrapondo um conceito muito acadêmico vindo dos autores norte-americanos, o professor Raimar dizia que “marketing é entender para atender”. Mal sabia que esta definição se estenderia para tantas outras áreas que eu trabalharia no futuro.
Em negócios, é essencial entender a empresa, sua cultura, suas potencialidades e limites, suas finanças, processos e funcionários. Muita gente almeja o crescimento sem considerar as características da própria empresa e, aí, a queda é imensa: em finança, imagem, reputação e ânimo.
Em negócios sociais ou organizações da sociedade civil o conceito também se aplica bem. Se não mapearmos o ambiente interno, entendendo a nossa musculatura, o que temos de crenças e valores, o potencial dos funcionários/voluntários, os processos organizacionais, antes de partirmos para abraçar o mundo, nos perderemos.
O provérbio chinês nos alerta: “Antes de iniciares a tarefa de mudar o mundo, dê três voltas na tua própria casa”.
Perceba bem que interessante: isso se aplica até mesmo às pessoas, individualmente. Antes de mais nada é preciso se conhecer, entender suas dores, compreender seus limites para que a partir daí se possa buscar aquilo que nos falta, tirar o que nos incomoda e não nos faz bem, aprimorar algo que já temos para, assim, mirar os nossos sonhos e ações.
Há alguns processos que são individuais mesmo, por mais que tenhamos pessoas ao nosso lado, e que possamos contar com elas, as dores não são terceirizadas, adiadas. Elas podem ser sufocadas ou anestesiadas, mas voltam depois, muitas vezes com componentes adicionais. Passar por alguns sofrimentos tendo ao lado pessoas que amamos, não reduz a dor, mas fica mais suportável viver aquele momento.
E como bem disse o médico psiquiatra Daniel Barros, em seu livro “O lado bom do lado ruim”, devemos reconhecer uma emoção e dar nome a ela. Assim tentaremos dar um novo passo adiante.
“Entender para atender”, do prof. Raimar Richers, e “Conhece-te a ti mesmo”, do Oráculo de Delfos, disseminado por Sócrates, nos convidam a um tão necessário olhar interno antes de ganhar o mercado ou o mundo.