Esta é uma história fictícia, criada com base em fragmentos de várias histórias reais.
Aquela jovem, sensibilizada com o problema da solidão, principalmente entre as pessoas idosas, resolveu entrar para um grupo de voluntariado que realiza uma visita mensal a uma instituição que acolhe homens e mulheres acima dos sessenta anos, geralmente sem proximidade com a família e com a independência e autonomia comprometidas.
Animada com esta possibilidade, a voluntária entrou em um grupo virtual, assistiu aos vídeos com orientações antes de ir ao encontro presencial com os idosos. No dia agendado, ela estava lá. Conversou com os residentes, fez planos para as visitas futuras, prometeu um livro para um deles e a letra de uma música para outra.
No mês seguinte, o grupo se articulava para voltar à instituição, pensando como seria a ação daquele mês e abrindo a lista de presença para confirmação. A voluntária, de início bem animada, não respondia às mensagens do grupo. Uma semana antes da visita, a gestora daquele time de voluntários mandou uma mensagem privada, para saber se estava tudo bem, se ela participaria da ação, no que ela respondeu que optou pelo voluntariado justamente por entender que não era obrigada a nada. “Não é voluntário? Então, não tenho que ir todas as vezes, vou quando quero e posso, isso é fazer algo voluntário, no meu entendimento”. A bem da verdade, bastava colocar o nome na listinha do grupo dizendo que não iria, o que ajudaria a entender com quem contar naquele dia.
Alguém pode pensar que é assim mesmo que acontece quando a pessoa inicia uma atividade voluntária sem informações do que se espera dela, o que não é o caso aqui, em que aquela pessoa passou por um curso on-line dizendo justamente que o objetivo das visitas é a criação de vínculos, já que muitos idosos ali perderam o contato com as pessoas mais próximas. O vínculo ajuda na construção de relações mais calorosas, confiáveis, esperançosas e humanas.
Há alguns casos, e não estou dizendo que seja o que aconteceu à jovem da nossa história fictícia, que a pessoa carrega em si uma culpabilidade que faz com que se sinta sempre na obrigação de fazer algo pelo outro, para apaziguar uma ferida que ainda dói ou para ter um pouco de paz de consciência. Daí, a pessoa busca o voluntariado, achando que vai minimizar seus conflitos. O objetivo não é o outro, mas é a si própria, o que não vejo como problema, desde que ainda assim ela mantenha o compromisso que assumiu com um grupo, instituição, comunidade.
Eu costumo didaticamente imaginar o voluntariado divido em três tipos: o corporativo, que é conduzido pelas empresas, que adotam métodos diferenciados, que podem ser uma campanha interna ou a cessão de horas de trabalho dos funcionários para o desenvolvimento das atividades voluntárias; o pessoal, que se trata da inciativa de uma pessoa e o em grupos ou instituições, como se associar a uma “ONG” que já faça o voluntariado.
Daí, três modalidades podem ser pensadas: a assistencial, que é tão necessária e pouco compreendida. Há quem faça a crítica de que dar o peixe mata a fome, mas não tira a pessoa da condição em que está. Concordo, mas há de se compreender que sem o peixe, pode ser que não se tenha a pessoa. É preciso sanar aquilo que nela é escasso para que, a partir daí, viva, ela consiga ser atendida numa demanda também importante, que é o seu desenvolvimento.
Assim, considero como segunda modalidade as ações de desenvolvimento, ajudando as pessoas a se conhecerem e reconhecerem, assim como a desenvolverem potenciais humanos, comunitários, profissionais. Há o voluntariado relacional, que não mata a fome, que não desenvolve habilidades, mas que sustenta as pessoas mental, emocional, espiritual (aqui me refiro a sentido de vida) e social. As visitas realizadas para escutar as pessoas, passarem um tempo ali, sem pressa, sendo companhia, são de grande necessidade para muita gente.
Diante disso, para além dos recursos financeiros que as organizações da sociedade civil precisam para colocar em funcionamento os seus projetos, há de se pensar no que é realmente necessário para que um voluntário integre um movimento, organização, coletivo.
O primeiro é entender se o propósito e a causa daquela instituição comungam com os seus próprios valores. Entender o funcionamento da ação, como os dias e horários, a frequência necessária, o que é feito a cada visita, também fica mais fácil para conectar-se com aquilo que o grupo demanda.
Porém, o mais importante vem agora: ao assumir uma atividade, que ela não seja um apêndice na vida da pessoa, que opta em fazer quando achar por bem ou tiver tempo de sobra. É importante ressaltar que para tais pessoas, há grupos que desenvolvem ações ocasionais, que não têm constância e que precisam de ajuda também. No entanto, ao buscar um movimento voluntário, há a necessidade de abdicar um tempo para aquilo, entendendo que haverá demanda de energia, atenção e disponibilidade. É mais honesto, consigo e com os outros, não assumir do que sumir, o que ainda cria desconfortos e desalentos em muitos casos.