Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Felicidade instantânea

07/10/2021 às 18:58.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:01

Estudando alguns livros sobre felicidade, deparei-me com um pensamento do matemático Blaise Pascal, que não tenho em mãos agora, mas que ficou em minha mente, pois ele sugeria que todos os homens buscam a felicidade, até mesmo aqueles que optam pela forca.

De início eu assustei. Tempos mais tarde, estudando sobre suicídio, vi que uma das buscas de quem tira a sua própria vida é cessar o sofrimento, alcançar um lugar onde exista menos dor, um céu talvez, que nos foi vendido como um lugar de paz e para onde muitos de nós gostariam de ir, vivendo de túnicas alvas e em serenidade e felicidade.

Também foi Pascal quem disse, num texto que li do pedagogo Alexandre Flores Alkimin, que: “o homem (...) estando cheio de mil causas essenciais de tédio, a menor coisa, como um taco e uma bola que ele empurra, basta para diverti-lo”.

Acaba que a gente vai lotando os dias com afazeres: estar ocupado é estar em movimento, pensamos algumas vezes. Na infância, uma criança é colocada na escola, na aula de dança ou artes marciais, na aula de idiomas, na de música e no reforço escolar, tudo como uma obrigação que vai compensar no futuro.

O brincar sem compromisso, da minha época de criança, hoje faz parte de uma agenda. Por falar “na minha época”, talvez muita gente não consiga entender o que é cortar um galho de uma pequena planta para brincar de “rouba bandeira”, ou fazer guerrinha de mamonas e, até mesmo, reunir a rua inteira do bairro para brincar de “pique-esconde”.

As cobranças vêm, mas há quem diga que desde cedo a criança tem que ser treinada para ter resistência, resiliência.

Eu me ponho a pensar todos os dias o tipo de criação que meus pais deram a mim e aos meus irmãos. Queria entender a fórmula que eles usaram para reproduzir, pois acredito que a maneira como eles conduziram a nossa infância tenha sido muito acertada e feliz. 

Quando vejo adolescentes diante de um problema, que para mim parece pequeno, e já ressalto que problemas e dores não se medem com trena e não tem o mesmo peso para pessoa diferentes, vejo muitos deles buscarem pontos de fuga para não encararem aquela situação: essa fuga pode ser uma tristeza profunda, um vício, a automutilação ou o afastamento. 

O que o neurologista Facundo Manes fala de que toda criança precisa de uma referência saudável, para mim foi realidade, mas pode não ser para tantos outros.

Vejo crianças, em abrigos, que não se satisfazem com um toquinho de mão para cumprimentar, mas querem abraço, tamanha a carência, que eu também tenho, mas que em casa mesmo, na minha família e entre amigos, possuo um manancial de afeto para quando o meu estoque começar a acender a luzinha vermelha eu possa me socorrer. Eu tenho com quem me socorrer.

Um texto antigo, chamado “Carta para Fê”, que eu trabalhava com os alunos de graduação, me fez aprender, ou até mesmo atinar, que as pessoas do nosso relacionamento mais íntimo devem ser importantes para nós, mas não devemos, de forma alguma, depositar todas as nossas esperanças e felicidade apenas no outro. Eles complementam, mas não são por si só todo a fonte, pois, quando um deles for embora, vai nos fazer sentir a falta, mas não nos levar junto.

A cada vez que ouço uma história de dor, vejo o quanto aquele “toque mágico da criação” dos meus pais, na minha infância, foi importante.

Dona Maria Ribeiro da Silva Tavares, fundadora do Patronato Lima Drummond, em Porto Alegre, morreu aos 102 anos, em 2014, tendo dedicado cerca de 70 anos para a ressocialização de detentos. Numa entrevista ela disse o que era necessário fazer para evitar que homens e mulheres, de uma forma geral, chegassem à criminalidade: invistam na infância, fortaleçam as famílias e aprendam a praticar o amor e a atenção.

Quanta gente, como diz o próprio texto “carta para Fê”, afirma que deu tanto amor, tanta atenção e se pergunta: “onde foi que eu errei?”. Será que aquilo era mesmo amor?

Juntando esse quebra-cabeças, de depoimentos de crianças, adolescentes e jovens, de especialistas, de filósofos eu consegui entender o tipo de educação que os meus pais adotaram: não foi a rigidez da minha mãe que nos fez pessoas fortes e íntegras, mas o amor.

E, assim, eu consigo entender melhor as “peças” que citei aqui, quando Pascal falava que todos nós buscamos a felicidade, mas numa vida de tanto tédio, um taco e uma bola nos diverte, é justamente o entendimento de que queremos a felicidade instantânea, feito aquelas sopinhas em pó, que só se adiciona água para estar pronta. E vamos nos alimentando da sopinha, que disfarça a “fome” momentaneamente, até precisarmos de outras sopinhas mais.

Felicidade instantânea, que tal qual a sopa, não alimenta, mas disfarça.

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