Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Mal-educados!

Publicado em 11/11/2022 às 06:00.

Um dia desses eu estava navegando num site de notícias quando vejo um título anunciando uma matéria jornalística que muito me assusta. Uma mãe denunciando um grupo de conversas virtuais, criado por jovens de uma escola de elite do interior de São Paulo, que pregava as mais absurdas e desumanas ideias retrógradas e inaceitáveis. Não só isso: um emaranhado de falas criminosas.
Imagens de Hitler, mensagens sugerindo a volta da escravidão para o povo nordestino, ameaças de morte aos negros, desejos claramente manifestados de fome e dor a quem não pensa igual a eles, comparações com ações nazistas. Uma miríade de ofensas e ameaças.

A mãe denunciante diz que o seu filho foi adicionado ao grupo, não se sabe se por engano ou motivado por uma maldade planejada, já que sabiam que ele é negro e defende ideias contrárias à daquele grupo infame.

Na mesma hora mandei uma mensagem para aquela mãe. Achei tão terrível tudo aquilo que não poderia ficar parado, calado. Divulguei em minhas redes sociais e usei aquele exemplo em palestras que daria naquele dia para jovens.

Naquele mesmo portal de notícias eu li e leio informações maravilhosas, como um grupo de professores que vai de casa em casa, pós-pandemia, ver como os alunos estão e convidá-los a voltar para as aulas presenciais. 

Foi ali também que li a história de uma professora que durante uma aula virtual ficou sensibilizada ao perceber que um aluno pediu licença para sair mais cedo daquele encontro, pois ameaçava chover no bairro em que ele morava e ele precisava ajudar sua mãe a colocar a lona no teto, já que a casa não tinha telhado. A professora não ficou satisfeita em apenas autorizá-lo a se retirar, mas foi ver a realidade daquela família e mobilizou dezenas de pessoas para ajudá-la.

No entanto, foi neste mesmo veículo de comunicação que vi, com o passar dos dias, pós-eleições presidenciais, outros casos de racismo e violência se propagarem em outras tantas escolas, em que os alunos, sempre muito jovens, eram os algozes, disseminando ódio, ofensas, estimulando os outros a se posicionarem numa cruzada contra quem não pensa e não “é” igual a eles.

Em Belo Horizonte, há pouquíssimo tempo, alunos, com cara de criança inclusive, faziam gestos bélicos e falavam frases prontas, utilizadas por movimentos nazistas. Creio que eles nem sabiam desta ligação, mas tinham noção do sentimento que jogavam naqueles gritos disfarçados de liberdade.

Uma coisa dentre tudo isso me preocupou muito: o nosso futuro como sociedade.

Eu tenho uma visão muito otimista da humanidade. O livro “Humanidade: uma história otimista do homem”, do historiador Rutger Bregman, traz experimentos realizados mundo afora, além de casos reais analisados sob a ótica da ciência, nos provando que a sociedade de tempos atrás era mais faminta, doente, violenta e nociva. O livro mostra o quanto evoluímos como comunidade.

Acredito muito que o que vivemos é uma fase, um momento febril para uma melhoria da nossa condição humana, mas não quero ser inocente em esconder que a preocupação deve ser partilhada por todos nós, inclusive porque pais e responsáveis por alguns daqueles adolescentes pensam igual aos seus filhos ou, pior, foi pelo exemplo de alguns pais que filhos tiveram a “autorização” para pensarem e agirem assim. Pais e filhos compartilham a mesma cartilha.

Em todas as palestras que dei em unidades socioeducativas para jovens em conflito com a lei, nunca vi nenhum adolescente de elite “preso” por crimes como os relatados acima. E nem por outros mais.

O pintor surrealista René Magritte pintou o quadro “A reprodução proibida”, em que um homem se olha no espelho e no lugar de ver seu próprio rosto, enxerga-se de costas. O mesmo espelho reflete perfeitamente um livro sobre a bancada, mas se nega a refletir o rosto do homem que se olha. Na verdade, não é o espelho que negou mostrar a sua verdadeira feição, mas o homem que não a quer encará-la.

Até quando nós vamos preservar este assunto numa caixa de Pandora? Cabe a nós todos, famílias, mídia, comunidade, escola, justiça, governo, estudiosos, jovens, sei lá mais quem, trazer este assunto “à baila” para que não fique pairando em névoas, pelo medo de enfrentá-lo. 

Sei que não cabe apenas às escolas e seria uma injustiça cobrar somente delas. Isto é um assunto que afeta a cada um de nós, tenhamos ou não filhos em escolas de elite, sejamos ou não negros, pobres ou nordestinos. 

Devemos nos demorar nesta conversa, mas evocá-la o quanto antes para o debate. Como dizia nossa eterna Gal Costa: “é preciso estar atento e forte”.

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