Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Marketing: o foco naquilo que humaniza as relações

Publicado em 07/03/2025 às 06:00.

A internet chegou ao Brasil no final da década de 1980, e, em 1995, a Embratel lançou o primeiro provedor de internet comercial do país. No ano seguinte, surgiram os dois primeiros portais de internet privados brasileiros: o Zaz e o UOL. Já em 2000, apareceram as primeiras provedoras de acesso gratuito, como o iG, marcando uma nova fase de expansão do acesso à rede no Brasil.

Quando comecei a dar aulas de Marketing, em 1999, o acesso a autores internacionais se dava principalmente por meio de livros. Íamos às bibliotecas das escolas para consultas ou às livrarias para comprar exemplares. Isso limitava o número de referências disponíveis, e acabávamos trabalhando com um repertório restrito. A internet ainda não era amplamente acessível, e o conhecimento estava, de certa forma, confinado aos livros físicos, jornais e revistas.

Com a popularização da internet e o surgimento das redes sociais, passamos a conhecer centenas, depois milhares de autores. Ainda assim, na área em que atuava, a grande referência sempre foi Philip Kotler. É praticamente impossível alguém que tenha estudado Administração e Marketing não ter lido as bases que sustentam os conceitos dessa disciplina em alguma de suas obras. Kotler é considerado o "pai" do marketing moderno, e sua influência transcende gerações.

No Brasil, tive a honra de conviver, ainda que brevemente, com o professor Raimar Richers, suíço naturalizado brasileiro e um dos fundadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Ele foi um dos responsáveis por trazer o conceito de marketing para o Brasil. Richers faleceu em 2002.

Philip Kotler, que em 27 de maio de 2024 completará 94 anos, tem uma importância fundamental para o mundo dos negócios. Ele tirou o marketing de um papel meramente operacional e o colocou no centro das estratégias de gestão. Dando continuidade ao legado de Peter Drucker, falecido em 2005, Kotler reforçou a ideia de que o foco das empresas deveria estar mais na satisfação dos clientes e nos benefícios ofertados do que apenas na sua distribuição e precificação.

Quando o seu livro “Marketing 3.0” foi lançado no Brasil, por volta de 2010, um pensamento disruptivo já estava sendo desenhado por ele. Para quem já conhecia as ideias de Kotler, essa evolução fazia sentido. O marketing já tinha passado pelas eras da produção, do produto e das vendas até chegar no foco no cliente (ou foco “do cliente”). Com o marketing 3.0, era preciso enxergar o cliente como um ser humano completo e complexo, com necessidades materiais, emocionais e espirituais. Era uma abordagem capaz de atender às instâncias mais nobres do humanismo, conectando-se com as pessoas em um nível mais profundo. Alguns estudiosos passaram a questionar Kotler, alegando que, já em idade avançada, ele emprestava seu nome para validar novos conceitos sem grande relevância. 

Em 2024, durante o evento de lançamento, no Brasil,  de seu livro “Marketing H2H – A jornada para o marketing human to human”, que contou com a participação do professor Marcos Bedendo, Kotler enfatizou que: “O humanismo é o conceito fundamental no qual estamos baseando toda a ideia de marketing H2H”. Essa abordagem reforça a importância de colocar as relações humanas no centro das estratégias de marketing. Para o especialista, o marketing H2H é uma evolução natural do pensamento que ele vem desenvolvendo ao longo de décadas. 

Ele sugere que as estratégias de marketing devem priorizar as conexões humanas, buscando criar valor não apenas para os clientes, mas para a sociedade como um todo. “Marketing é definido pela habilidade de criar, comunicar e entregar valor para um público-alvo, com lucro”, declarou. O marketing H2H vem de uma perspectiva humanista, e seu objetivo é produzir mais sorrisos, promovendo um impacto positivo na vida das pessoas.

Estudando este conceito, lembrei de quando um ex-aluno de pós-graduação, que também foi meu orientando, me perguntou por que migrei do marketing para as causas sociais. Para mim, isso foi algo que aconteceu de forma tão natural que eu nunca havia parado para refletir. Hoje, minhas falas são voltadas para entender o comportamento humano, do ponto de vista da Comunicação Social, não da Psicologia, que é uma grande aliada, mas não é minha área de formação. Brinco que, ao buscar entender as dores sociais, acabo assumindo os papéis que mais amo. E já aviso que aqui não tenho intenção de criar novos sentidos para as palavras: sou “educador”, alguém que olha para as dores e tenta conhecê-las, compreendê-las, nomeá-las, para que, a partir daí, possa educá-las.

Sou, também, comunicador: aquele que vê, sente, ouve as dores, suas ou dos outros, e tenta traduzi-las, comunicá-las, para que sejam entendidas por quem não as tem e que dê visibilidade a algo que cada um de nós pode vir a ter. A comunicação, nesse sentido, torna-se uma área poderosa para promover a empatia e a compreensão mútua.

E, recentemente, fui chamado a ser curador de uma exposição. Pensei: não é que, ao levar arte, escrita, esportes e cultura para os locais onde atuo, não buscamos nada mais que a cura para dores como a solidão?  Ao evoluir pessoal e profissionalmente, tudo o que foi aprendido e apreendido vai se encaixando, como peças de Lego – para usar um exemplo mercadológico – com novos conhecimentos que vamos adquirindo, mesmo em áreas que pareçam distintas. A vida é um constante processo de aprendizado e integração, e o marketing, em sua essência humanista, continua a ser uma ferramenta valiosa para compreender e transformar o mundo ao nosso redor.

Finalizo com uma pequena história: chamei um carro por aplicativo esses dias, e o motorista me perguntou com o que eu trabalho. Falei que era com comportamento humano. Ele virou para me olhar e disse: “moço, mexe com isso não. Vai pra matemática”.

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