Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Não estamos sozinhos

25/06/2020 às 20:11.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:52

Participei de um programa de rádio, num domingo, em que falei sobre o Poemia, um projeto voluntário que criamos pelo Tio Flávio Cultural e que consiste em pedir para que músicos, poetas, atores e comunicadores, em sua maioria mineiros, gravem uma mensagem para ser enviada aos coordenadores de ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos), que chamávamos até pouco tempo de asilos, que passarão para os idosos, aqueles que mais sofrem com o distanciamento físico de parte da equipe de funcionários, além da suspensão da visita de voluntários e familiares.

A nossa ideia é que a cada mensagem os idosos sintam que alguém se preocupa com eles, além da equipe funcional de onde eles vivem. Mas, mais do que isso, que em um nível micro a gente passe a ter um novo olhar, mais cheio de cuidado, respeito, atenção, para os idosos que nos cercam, seja em casa, no condomínio, na rua.

Só que, para além disso, num nível macro, a ideia é estimular um debate sobre preconceitos contra a velhice, que dita assim parece ofensiva, uma vez que temos a cultura de associar “velho” a obsoleto e descartável. Até mesmo, quem sabe, fazer a gestão pública pensar de maneira mais ampla e humana a longevidade.

O projeto ganhou a adesão voluntária e carinhosa de muita gente, que queria gravar um vídeo, ou apenas divulgá-lo em suas redes, ampliando o alcance da nossa ação. 

Ao término do programa de rádio, várias mensagens chegaram às redes sociais do Tio Flávio Cultural. Várias mesmo, inúmeras. Uma pessoa relatando que tinha a mãe com Alzheimer e que havia deixado tudo para ficar com ela, outro dizendo ter 70 anos e já ter o hábito de ir cantar em instituições de idosos para alegrar aqueles velhinhos que lá moram.

Teve a mensagem de um jovem que vive nas ruas e frequenta as ações que fazemos no Albergue Tia Branca, instituição que acolhe para pernoite, diariamente, cerca de 400 homens em situação de rua. Esse jovem pediu que enviássemos para ele o poema, de autoria desconhecida, recitado pela atriz Ingrid Leão, que vive em Londres e fez questão de participar desse movimento. Ao receber o vídeo com a poesia ele disse que ouviu e copiou em seu caderninho, já que aquelas palavras mexeram muito com ele. 

Mas tinha uma mensagem de um adolescente, com cara de menino, chamado Jhonatan. Quando o respondi ele disse que quem queria falar comigo era, na verdade, a avó dele, Dona Aparecida. Ela mandou um áudio, pelo instagram do neto, dizendo que ama escrever, que tem muita poesia e música prontas, sejam evangélicas ou contemporâneas, compostas por ela mesma e queria mandar uma para ser enviada aos idosos. 
Expliquei como gravar o vídeo e ela disse que era deficiente visual, o que não a impedia de escrever, e que iria pedir ao neto para digitar um poema para me enviar. Algumas horas depois recebo “A flor do Amor”, da Maria Aparecida, que de tão marcante eu mesmo resolvi gravar. Ela dizia, na poesia, que queria que a natureza criasse uma flor com mensagens de carinho aos amigos e irmãos. 

A poesia da Dona Maria Aparecida é linda, mas o que me trouxe mais felicidade é perceber que apesar da existência da solidão, de tristeza profunda, há muitas pessoas que trabalham num movimento contrário, para não deixar que essa dor do abandono vire “normal”, “comum” ou “natural”.

  

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