Receber a notícia do adoecimento de uma pessoa querida é sempre impactante, ainda mais quando é uma pessoa muito próxima, de um relacionamento constante.
Primeiro, porque o sofrimento de qualquer pessoa nos impacta, ou deveria. Mas, muitas vezes, porque a gente definitivamente perde o chão, o rumo, sem saber o que falar para a pessoa e como agir diante daquela situação nova.
Em casos de doenças fatais, há quem chegue e fale: “Tudo vai ficar bem”. Isso, porque não sabemos o que falar, mas torcemos para terminar bem. E, sim, pode até ficar, mas em um novo contexto: não é da cura que a pessoa precisa, nesse instante, mas é de alguém que entenda a sua dor e a sua fragilidade. Não é de pena ou dó, mas é de compreensão. Há dias que não serão de alegria e a gente, com muita boa vontade, chega e diz: “Você tem que ser forte”.
Como ser forte com uma bomba relógio dentro da gente? Essa cobrança de que “é preciso ser forte”, “olhe à sua volta, tem tanta gente pior” e “você tem que ter fé” não ajuda em nada. Eu tenho fé, mas eu sofro, eu quero ter o direito de viver a minha dor.
Talvez seja mais viável a pessoa e a gente tentar entender que a finitude é o caminho natural de todos nós. Pode até não ser o caso da pessoa adoentada, que terá que se submeter a um tratamento mais ofensivo, mas que pode se curar. Para aquela que se cura e para nós todos, a finitude é inquestionável.
Ah, mas ele é tão novo”, dizem uns. Isso é a mesma coisa de afirmar que só deveria adoecer quem é velho, os novos deveriam ser poupados.
Uma das coisas que aprendi é que o dia daquilo que a gente tem mais certeza na vida – a morte – é o mais incerto do nosso calendário. Controlo o dia em que vou casar, quando decido me separar, controlo até o nascimento do meu filho, mas o dia da morte é o mais incerto.
Porém, pelo que ouço de pessoas que passam por diversos desafios – seja sua privação de liberdade em uma casa de repouso, em uma detenção ou em um problema de saúde – é que se nos fecharmos para aquele momento, de que não se pode fugir, se contestarmos e não procurarmos entendê-lo como real, o sofrimento é maior. Isso não quer dizer que estaremos isentos da montanha russa diária, aquela que em um dia temos uma esperança invejável e em outro o que a gente quer é não olhar para a cara de ninguém.
Aí, chega uma visita, que cumpre sua agenda, porque é socialmente preciso, e fala que tudo vai ficar bem. “Você é uma guerreira”, é o que mais ouvem as mães de crianças com síndromes. E, nessa criação mental coletiva de fortaleza constante, as pessoas não se dão ao direito de cair, de chorar, de questionar, de buscar entender ou não querer entender. Elas sempre têm que estar em pé, armadas para a luta contra a morte.
A dor amadurece, pois o que temos de concreto é tudo aquilo que vivemos até então. O quanto eu abracei, o tanto de gente que me fez sorrir e que sorrimos juntos, os vinhos e cafés tomados, os dias celebrados, as besteiras que nos fizeram chorar, os “amores” desfeitos, a mão de uma mãe, o olhar de uma criança, o sentir-se útil. O errar, o arrepender-se, o aprender.
Se, de verdade, com o coração e a alma, soubemos viver os momentos que tivemos, teremos construído a nossa história. Claro que quero um futuro, viver ainda mais, poder fazer aquilo que nunca me atentei que deveria ter feito. Mas, de verdade, é tão bom celebrar o que foi vivido, se foi vívido.
Nem sempre está tudo bem, mas eu sei que você está aqui. É a melhor certeza do decorrer da vida.