Há alguns anos, em uma universidade, fui professor de marketing em um curso fechado exclusivamente para operadores de atendimento remoto de uma grande empresa de Belo Horizonte, que terceirizava seus serviços para uma gama imensa de organizações pelo Brasil afora. Tive acesso a muitas histórias: de pessoas que precisavam daquele salário para pagarem os seus estudos, outros que tiravam dali o sustento familiar, muitos que trabalhavam sob uma pressão muito grande, já que recebiam mais ligações raivosas do que elogiosas. Vários relatavam o ódio que alguns clientes destilavam e que acabavam impactando o seu humor, as suas relações e a sua vida, de maneira geral.
Naquela época, os meus alunos diziam que a rotatividade da empresa era imensa e que para trabalhar com o atendimento ao público, a pessoa tinha que ser bem preparada emocional, técnica e mentalmente, mas que precisava ser mais fria do que empática.
Muitos alunos adoeciam, entregavam atestados médicos para a empresa e, consequentemente, para a faculdade. Voltavam no semestre seguinte, dizendo que aquilo não era vida. Perguntei muitas vezes o que acontecia para que esse sentimento fosse recorrente em tantos funcionários, de aversão ao que faziam e um adoecimento contínuo. A resposta era a cobrança sem igual, o excesso de demandas, a falta de empatia dos supervisores, que já tinham sido atendentes, inclusive, e, principalmente, o comportamento dos clientes.
Comecei a pesquisar sobre o assunto e conversei com alguns amigos, informalmente, que eram clientes de Contact Center, porque despejavam tanto rancor sobre aquelas pessoas por trás de um atendimento empresarial e as respostas eram muito parecidas: “elas representam a empresa; é através do contato com eles que vou ou não resolver uma questão; que já me faz chegar irritado ao acionar a empresa e que, em poucos segundos, não tendo a resposta da forma que desejava, o impulso é gritar, mesmo, pra passar raiva para alguém”, disseram-me alguns entrevistados.
Insistente, perguntei: mas você consegue entender que o atendimento é humanizado e que xingar e ameaçar não vão resolver o problema e podem afetar o humor de alguém? Aí as pessoas diziam que elas estavam lá era para isso mesmo, que se preparassem melhor, que tivessem equilíbrio emocional e que o ódio destilado é na maioria das vezes contra a empresa e não contra uma pessoa.
Conversei com os meus alunos e eles diziam da intolerância dos clientes. Já os clientes reclamavam da inoperância das empresas. Era, de fato, um momento de conflito que ambos saíam feridos.
Depois de muitos anos em que não tinha mais acesso ao lado de dentro das centrais de atendimento, fui convidado a ministrar treinamentos para a equipe de Contact Center do SESC-MG. Minha primeira pergunta na reunião de alinhamento foi se a rotatividade era alta e me disseram que há funcionários de 12, 10, 8 anos de empresa e que seria legal a gente falar sobre inteligência emocional e social. Já achei bem legal dar foco não na técnica, mas nas pessoas. Li o livro “Persuasão”, da Maytê Carvalho, fiz os cursos dela na Casa do Saber e li o livro “Inteligência do Carisma”, do Heni Ozi Cukier, para preparar o material que eu utilizaria nos treinamentos.
No dia combinado, o carro que pego para me deslocar até o local sofre um acidente simples, mas que altera o meu humor e o do motorista. Troco de carro e sigo o caminho. Era o dia do aniversário de uma das participantes daquele encontro. Ela chegou toda discreta, sentou-se em sua cadeira, já tendo recebido os parabéns de algumas pessoas, até que todos pudessem se juntar para cantar e comemorar aquela data, em que ela passaria trabalhando, com um sorriso no rosto e muita alegria.
Não vi o peso em uma equipe, mas o acolhimento gentil e participações bem naturais. Percebi que as pessoas estando felizes no ambiente de trabalho, que a empresa parecia se preocupar com elas e as enxerga, faz com que os problemas trazidos pelos clientes sejam dissuadidos pelo apoio da equipe. E como é bom trabalhar num lugar em que as pessoas não premeditam dia após dia como fazer para prejudicar os demais.
Foram quatro turmas ao longo de dois dias. Ouvi histórias, vi as pessoas se emocionarem e se entregarem. Falamos sobre as perdas e desistências e sobre o autocuidado e a melhoria da nossa relação com aquelas pessoas que estabelecemos vínculos.
Saí dali com o entendimento ainda mais reforçado do quão essencial é uma empresa investir em sua marca e que isso não se limita ao design e ao marketing, mas em investir nas pessoas, que falam pela empresa, recebem e acolhem as demandas e são uma área importante, muitas vezes negligenciada, na estratégia de negócios da organização.
Mas, para além de tudo isso, sentados diante de mim não tinham só funcionários ostentando seus crachás, mas histórias de vida diversas, que num determinado momento, por telefone, whatsApp ou e-mail, se encontram com outras histórias para buscarem, juntos, soluções que interessam a todos. Que as empresas valorizem seus funcionários e que o entusiasmo das equipes perdure, para o bem de tanta gente.